Joe Sacco: o jornalismo é quadrinho e vice-versa
Joe Sacco (Palestina) talvez seja o jornalista-quadrinista mais conhecido aqui no Brasil. “Reportagens” (Quadrinhos na Cia, selo de quadrinhos da Companhia das Letras) é uma reunião especial de trabalhos dele onde o tema predominante é o conflito ou, mais especificamente, as guerras modernas. Territórios palestinos, Iraque, Chechênia, Índia camponesa, imigrantes ilegais no Mediterrâneo e julgamentos de guerra são as seis matérias que compõem o livro.
O mérito do autor reside em unir habilmente técnicas das duas áreas de conhecimento. O jornalismo o dá o rigor da apuração: entrevista com as fontes importantes, perguntas imprescindíveis para a investigação, encontra personagens-síntese para a condução da história e adiciona pesquisa para ampliar o conhecimento do leitor sobre o tema. E, do quadrinho, os traços rígidos funcionam como uma foto informativa mesclada com as intervenções que o espaço gráfico permite; as intervenções funcionam como os enquadramentos de um filme e dotam a imagem do movimento que uma foto tradicional não teria.
Atente que um não sobrevive sem o outro: as informações visuais não se sustentam sem as informações textuais e vice-versa. Aliás, as informações textuais da apuração dão o tom das imagens, pois temos que lembrar que as reportagens são feitas sempre tendo em vista uma quantidade certa de páginas em determinada revista ou jornal. Este o outro mérito do autor: a coesão textual, pilar da imagem.
Outro fator interessante do trabalho de Sacco é que ele figura nos próprios quadrinhos. Por vezes o jornalismo preza a ausência do repórter ou o trata como um árbitro sempre fora do objeto de investigação, mas o autor opta por outra via talvez por intensificar a experiência de leitura e também endossar o caráter investigativo das suas matérias; assim, fica a sensação de que somos conduzidos junto com o repórter e descobrimos as informações em conjunto. A reportagem desenvolve-se naturalmente, sem amarras ao leitor.
Quanto ao tipo de desenho, por se tratar de reportagens de caráter informativo, o autor compõe com detalhes; é minucioso nas roupas, armamentos, veículos, pessoas, relevo, interiores das casas etc, sempre com traços sóbrios. Os entrecortes dos quadros são poucos e se atém principalmente ao detalhamento de expressões faciais para intensificar e destacar emoções. Os traços em preto e branco compõem 90% do livro e transmitem, metaforicamente, ambientes rígidos, pouco amistosos e desesperançosos.
Ao final da leitura, duas emoções distintas: prazer pelo excelente produto estético-informativo (texto e imagens) e tristeza por conta dos crimes cometidos contra os seres humanos nas áreas das reportagens. Joe Sacco é um ótimo exemplo de um jornalista apaixonado pelo ofício de repórter que utiliza uma “nova” plataforma para transmitir as informações que apura. Um trabalho belíssimo que leva o leitor a procurar as outras obras do autor.
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Texto de autoria de José Fontenele.
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