“Estou com medo. Da gente.” – O Senhor das Moscas
Prestígio nunca faltou a Y: O Último Homem, a famosa série adulta do selo Vertigo, da DC, que discorre com muita tensão e correria a odisseia do único sobrevivente da extinção do homem. Homem mesmo, referindo-se aqui ao sexo masculino erradicado da face da Terra – e por motivos nunca revelados, o que explica o uso do Y no título (lê-se “Why” em inglês, ou seja, “Por quê?”). Só que as razões misteriosas são esquecidas diante do caos que as sociedades se encontram, já que agora as mulheres precisam tomar as rédeas desde os governos, a produção agrícola. Em Y – O Último Homem, um dia banal para a humanidade torna-se o início de uma nova era para qualquer ex-mãe, ex-mulher ou ex-filha, donas de um planeta sem saber se a espécie vai continuar sem uma gota de espermatozoide por ai. Ou melhor, quase nenhuma, já que o americano Yorick Brown, de eunuco, não tem nada.
Junto do seu macaco adotivo, sobra para Yorick sair de Nova York nos Estados Unidos, e ir encontrar sua mãe deputada na capital do país, em Washington, o que não vai ser nada fácil. Logo, o cara (mestre em fugas) descobre que pode ser morto ou vendido a bordéis, e que por ser macho, tem que se esconder de qualquer um que não se chame Jennifer Brown – ou Hero Brown, sua irmã desaparecida. Em Washington, Jennifer ajuda seu filho deixando-o sob a guarda da agente secreta 335, ambos rumo a um esconderijo para quem, agora, pesa muito mais do que ouro. Aos poucos, a ambientação da história assegurada pelo seu bom roteiro, nos deixa a par dos conflitos que crescem não apenas entre mulheres democratas e republicanas na política, mas entre aquelas que prezam pela ordem, e as que pretendem manter a opressão machista e violenta do passado. Assim, nem com a experiente 335 do lado, Yorick está seguro, já que uma conspiração sombria vai sorrateira ao seu encalço, cada vez mais próximo.
Ao criticar um tipo de feminismo fanático, o roteirista Brian K. Vaughan acentua o quão prejudicial a desunião pode ser a resistência de uma espécie, e o quão perigoso são os extremos alienantes. Enquanto Yorick e sua protetora tentam se livrar dos problemas que explodem em sua caminhada, sua irmã Hero vira uma “Filha das Amazonas”, uma comunidade de ódio que pretende varrer qualquer traço deixado de masculinidade – e sobretudo exterminar aquele que, segundo boatos, anda escondido por ai. No volume 1, Y: O Último Homem expõe o novo contexto perturbador de desconfiança e zero harmonia que, em teoria, de repente uniria os diferentes grupos de mulheres. No entanto, a realidade decepciona até a mais utópica das esperanças, e no segunda arco da série, a perseguição ao “último dos moicanos” atinge seu ápice com novos e ótimos personagens. Incrível como a humanidade, sem leis, sempre volta a barbárie da caverna, ou ao egoísmo dos líderes extremistas – manipulando multidões a bel prazer.
Sob a junção de um realismo levemente distópico (assegurado também pelo traço de Pia Guerra), e um suspense a prova de bala que impossibilita nosso desinteresse, fica óbvio pelo menos o motivo do sucesso e da polêmica da saga distribuída no Brasil pela Panini, desde os seus primeiros volumes. Por isso, não é de hoje que Hollywood está de olho nesse material, tão rico de possibilidades na adaptação. Fato é que a releitura numa outra mídia, mesmo que válida para atrair leitores, vai precisar se esforçar (e muito) para superar o ritmo, a dramaticidade, o espanto e a exuberância de muitos momentos ilustrados para nos fazer fã da jornada de Yorick, 335 e seu macaco Amp. Ainda mais agora em 2020, com The Last of Us arrebatando corações. Talvez não seja de todo mal deixar o clássico gibi, no gibi. A emoção já está toda aqui, perfeita como só.
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