Resenha | 100 Balas: Atire Primeiro, Pergunte Depois – Volume 1
100 Balas foi uma série do selo Vertigo que mostrava algumas das facetas criminais comuns ao povo estadunidense. Roteirizada pelo premiado Brian Azzarello (de Batman: Gotham Knights e Superman – Pelo Amanhã) e com arte do argentino Eduardo Risso (Parque Chas e Cain), o título premiadíssimo durou 100 edições, começando em 1999 e terminando em 2009.
O primeiro encadernado compreende três arcos de histórias. Em 100 alas, Azzarello brinca com os clichês do sub-gênero “women in prison”, mostrando a comunidade homoerótica do presídio, e claro, com uma protagonista perturbada por seu passado. A moça, finalmente livre da prisão, recebe uma inesperada visita, de um misterioso Agente Graves, que explana a sua vida nos mínimos detalhes, e escancara inclusive os motivos que a fizeram ir presa e propõe algo para ela, até então, inimaginável, entregando-lhe uma mala, que contem um arma com 100 balas irrastreáveis, que poderiam ser usadas em sua vingança. Dizzy tem uma surpresa ao perceber que a arma realmente não pode ser encontrada, e que ela pode manter posse do objeto, mesmo estando em condicional e após ser abordada por dois policiais corruptos. A personagem termina a edição sem tomar uma decisão, mostrando toda a reticência que uma escolha como essa provocaria num ser humano normal.
Se a ex-presidiária fosse uma reles assassina, o dilema em que se mete não seria tão alardeado, pois aderir a ideia da vingança não seria uma corrupção do Ethos, mas o fato dela ter sido presa por um crime passional e em legítima defesa a pôs em um ambiente hostil e criminoso que ela sempre renegou, apesar dele estar sempre por perto, e que teima em retornar a si. Ao sair da cadeia ela descobre que até seu irmão está envolvido com a criminalidade, e que galgou degraus na hierarquia das gangues locais, tem as costas quentes, mas ainda assim, se nega a dar o destino justo àqueles que causaram mal a sua família – o que faz Dizzy tomar uma decisão.
A violência presente nas ruas de Chicago não é exclusividade da cidade, na verdade o factóide representa a realidade das metrópoles ao redor do globo, especialmente as do terceiro mundo e demonstram como a violência urbana é implacável com os habitantes da cidade, com os que a negam, o preço pedido por ela invariavelmente envolve óbito.
A moça já havia se conformado em ter perdido seus entes queridos, jogava a responsabilidade do fato nos pecados que praticara no passado, encarava isso como um castigo divino, mas ignorava a corrupção dos policiais que cometeram o assassinato e não levava em conta de que seus erros deveriam causar danos a sua própria vida, não a de seus próximos. A escolha contemplou o máximo de ética que conseguiu, sua escolha em matar o número de pessoas que executou gerou uma culpa, não muito grande, mas ainda assim presente em sua vida – ela não poderia com todo o seu código moral matar os culpados sem sair ilesa, mas ao final, em seu discurso para o Agente Graves, ela destaca que a execução poderia ter sido maior, e não o foi, por escolha unicamente dela, suas decisões foram corretas segundo a sua própria ótica do que é certo e do que é errado, e em última instância, permitiria a Emilio a chance de se consertar.
O lugar comum do segundo arco – Tiro Pela Culatra – é um bar, onde bêbados modorrentos e decadentes frequentam e tornam a vida do barman em algo ainda mais miserável do que já era. Lee Dolan, o novo protagonista, descobre quem foi a pessoa que enviou o arquivo que o comprometeu, e consequentemente destruiu sua “vida anterior”: seu restaurante, sua vida respeitável, sua mulher e filhos e o respeito que tinha de seus iguais, tudo foi perdido graças a uma armação e ao envio de fotos de garotos sendo molestados, seu julgamento já estava decidido antes mesmo de ser fechado.
Risso mostra visualmente como Jerry vê seu pai, revelando um desprezo enorme ele pede para que ele suma de sua vida, e a reação de Lee é ficar parado, enquanto a sequência de quadrinhos o mostra imóvel, mas o tamanho do enquadramento vai aos poucos diminuindo. Após isso, o sujeito vai a um bar de strip, e uma das moças que o atendem diz que ele é infeliz, sua resposta, educada e pronta, fala que só uma pessoa infeliz reconhece a outra.
O fato da festa de Megan (a culpada pela vergonha e desgraça que acometeram Dolan) ser no bar onde Lee trabalha faz o leitor se perguntar se algo não está errado, qual o motivo dessa grande coincidência bater a porta do protagonista? Graves era conhecido da moça, e ela sabia de todo o ardil antes de terminar o diálogo com o seu antagonista. O protagonista hesita, achando que a mesma pessoa que arruinou sua vida poderia magicamente consertá-la. Mesmo com toda experiência que passara, ele permanece imprudente e é mais uma vez posto para trás.
Pequenos Vigaristas, Grandes Negócios
O terceiro arco trata de Chucky Spinks, um trambiqueiro que vê suas dívidas de jogo migrarem para um corretor diferente, um antigo amigo seu e agora chefão do crime Pony. O protagonista se enrola e quase perece pelas mãos dos que jogam consigo, cansados de ser passados para trás, e isso quase acontece até a intervenção de Graves.
Chucky é, dos protagonistas, o personagem menos bem urdido. A posse da maleta contendo a centena de balas o faz ficar eufórico instantaneamente, deixando o lado depressivo e cabisbaixo para se sentir o maior dos trapaceiros. O fato dele ser um ardiloso jogador produz em si uma personalidade sem muitas nuances, mas não chega a ser um equívoco completo, visto que ele não é mal construído.
O clima noir moderno garante as histórias um notável charme e o contraste com a violência gráfica do lápis de Risso faz de 100 Bullets uma obra sem igual, e ainda no início do que seria uma trama maior e mais conspiratória.