Crítica | À Procura
Sob planícies geladas, destacando a alva cor que a neve produz sobre o solo, À Procura remete a um estado de tranquilidade gerado por um ambiente onde quase não se percebe a ação humana. Exceto pela habitação isolada de seus personagens, indivíduos que vivem suas vidas normalmente dentro de casas modernas, ambiente que contrasta com o extremo frio que predomina do lado externo.
A trama de À Procura envolve uma forte sensação de impotência por mostrar um pai – Mathew, vivido por Ryan Reynolds, num dos raros momentos em sua filmografia em que seus talentos são exibidos de modo conveniente – que tem suas habilidades de protetor postas à prova, fracassando de modo retumbante enquanto guardião de sua família. Na primeira conversa mais longa que seu personagem protagoniza, percebe-se um claro incômodo de quem está do outro lado da linha, forçando um sentimento de amor correspondido que não condiz com a realidade, ou com a expressão de Tina (Mireille Enos). A sensação de isolamento é novamente flagrada pela câmera num momento ainda mais evidente e palpável que o anterior.
Um caso policial seria o motivo da discórdia, o que envolve um outro núcleo de personagens ligado à investigação criminal. O mistério quanto à origem do abismo emocional entre o antigo par logo é revelado, com informações gradativamente liberadas. Ao buscar Cass (Peyton Kennedy), Mathew se descuida, e a menina é raptada, ficando anos longe de seus parentes e tornando-se adulta, agora interpretada por Alexia Fast. O peso sobre as costas do pai é esmagador, mesmo após tantos anos. O que antes foi causado por um misto de displicência e ingenuidade provoca no emocional do sujeito uma culpa atroz, graças ao impacto gerado em seu cotidiano e, claro, nos seus sentimentos.
O desenrolar das investigações encabeçadas por Nicole (Rosario Dawson) fazem os ecos do descuido soarem ainda mais amedrontadores na psiquê de Mathew ao ser indagado se ele teria estado em algum outro ponto antes do desparecimento de Cassandra. Mesmo a rotina dos inquéritos policiais o ofendem, uma vez que sua autoestima está abalada. O auxiliar de detetive, Jeffrey (Scott Speedman) tenta aplacar a situação, cavando ainda mais fundo dentro da cabeça do confuso pai.
A câmera de Atom Egoyan registra o cativeiro de Cassandra, exibindo o narcisista raptor, que ao mesmo tempo que vigia sua presa, tem um espelho à sua frente, o símbolo da paranoia e da eterna autoanálise, o cuidado supremo para que nenhum detalhe fuja aos seus olhos, para que nenhum eventual acontecimento frustre seus planos. A motivação de Mika (Kevin Durand) é tão misteriosa quanto seu semblante, especialmente no que tange Cassandra. A moça é o intermediário entre uma intricada rede de exploração sexual infantil, e é ela quem faz contato com as crianças, ainda em sua cela moderna, no frio lugar exibido no começo da fita.
A sociedade da informação se mune da alta tecnologia para praticar seus pecados morais, voltando os arquétipos pensados em 1984 por George Orwell para um dos aspectos mais podres da alma humana. Seis anos passados do incidente inicial, ambos os casos caem na rede de averiguação de Jeffrey, que logo trata de falar a mãe da menina, que enxerga na participação da filha uma monstruosidade quase tão grande quanto a que aquelas pessoas fizeram a ela, claro, culpando mais uma vez seu já débil marido.
O viés escolhido pelo roteiro peca demais em sutileza, inserindo convenientemente os policiais no mesmo contexto dos marginais que praticam a rede de mentiras e que obviamente emboscam-nos. O mesmo se pode dizer das cenas de reencontro entre os parentes, há muito separados. Apesar de reafirmar a crueldade dos vilões, quase nada se acrescenta nos momentos de embate entre os justiceiros e os bandidos, fazendo o que deveria ser um intrigado suspense tornar-se uma desnecessária batalha maniqueísta.
O modo como a história se fecha apresenta uma estranha sensação de que finalmente os eventos voltarão ao normal, apesar do número crescente de mortes. Além disso, a resolução é bastante estranha, como se tentasse emular a capacidade de pensamento dos que arquitetaram todo o circo emocional ao redor do rapto de Cassandra. Como em Sem Evidências, Egoyan tem em mãos uma premissa muito boa, mas apresenta uma condução equivocada, que se enrola nas próprias regras dramáticas que ele engendra.