Resenha | Batman: O Messias
Na reta final dos anos oitenta, pouco após o apogeu da chamada Era de Bronze das histórias em quadrinhos, as tramas viscerais, ultrarrealistas e permeadas por doses cavalares de violência e sangue pipocavam aos montes no mainstream quadrinístico, monopolizado pelas majors Marvel e DC Comics. O trabalho bem sucedido de nomes como Frank Miller e Alan Moore impactou sobremaneira nos artistas da época, o que gerou bons e maus frutos.
Inserido nesse contexto de época, o roteirista norte-americano Jim Starlin se associou com o desenhista Bernie Wrightson e com o colorista Bill Wray, para contar uma história do Cruzado Encapuzado sobre fé, manipulação e redenção.
Starlin já era conhecido por ter criado o vilão Thanos para a Marvel Comics, além de ter escrito as histórias de Adam Warlock e do Capitão Marvel. Wrightson, por sua vez, possuía uma carreira extensa e devidamente estabelecida, desenhando para várias editoras, mas se notabilizando por ser um excelente desenhista de histórias de terror, como o Monstro do Pântano, co-criado por ele em parceria com Len Wein.
A dupla, junto a Wray, decidiu trabalhar com o Cavaleiro das Trevas, e para isso trouxe ao mundo a minissérie O Messias, dividida em quatro capítulos. Nela, a equipe criativa versa sobre uma temática profundamente atual: a manipulação das massas a partir do fundamentalismo religioso. O Batman, preso e vulnerável, se vê diante da insurgência do Diácono Joseph Blackfire, uma figura controversa e maquiavélica, que se coloca ao lado dos desfavorecidos para fomentar seu culto pessoal, vendendo-se como um legítimo messias para os cidadãos de Gotham City.
A história parte de uma premissa simples, que ressoa com nossa realidade e dessa forma adquire o impacto pretendido quando foi concebida no final dos anos oitenta, mirando os televangelistas que povoavam as TVs norte-americanas, manipulando as massas e acirrando os ânimos.
É interessante observarmos o trabalho de ambientação realizado por Starlin e Wrightson, que concebem sua Gotham City profundamente espelhada na cidade de Nova York, de modo a haver um Central Park e uma proximidade com Nova Jersey que torna inegável a intencionalidade. A cidade suja, sombria e misteriosa concebida pela equipe criativa se assemelha em grande medida com a “Big Apple” dos filmes de Martin Scorsese, evocando um ar de degradação típico das histórias noir.
Starlin ousa bastante, concebendo um Batman falível, errático e inseguro, bem diferente do “rei do preparo” que vimos nas décadas que se seguiram. O autor realmente derrubou o Morcego dentro de uma perspectiva diferente, a de sua racionalidade, e não corporal. As dúvidas, os anseios do herói são colocados à prova a todo instante na narrativa, tendo em Jason Todd uma âncora que prende Wayne à sua realidade e o auxilia no combate a esse inimigo virtualmente invisível.
O caos que assola Gotham, decorrente das ações de Blackfire, se assemelha em muito ao que pudemos ver em Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge, de Christopher Nolan, deixando clara a influência assimilada pelo diretor no encerramento de sua trilogia cinematográfica.
A arte de Wrightson brinca com o surrealismo a todo instante, investindo em um horror psicológico típico da época, trabalhando com enquadramentos inventivos e metáforas visuais poderosas. A influência do trabalho de Frank Miller fica evidente tanto na composição visual de Gotham quanto na utilização das telas de TV como requadros, para evocar a força da mídia tal qual o criador de Sin City pensou em sua magnum opus O Cavaleiro das Trevas, de 1986.
A coloração de Wray em diversos momentos se assemelha ao trabalho de Lynn Varley na famosa história futurista do Homem-Morcego, flertando ora com as cores pálidas ora com cores berrantes, deixando sempre em destaque o uso das sombras e das luzes como elementos de composição da mise-en-scène proposta para a narrativa.
Os méritos da narrativa podem causar certo estranhamento no leitor, visto que ninguém espera se deparar com a visão de um Batman fragilizado, algo que pode de igual modo potencializar o argumento que norteia o enredo, acerca do alcance que uma manipulação de massas bem engendrada pode causar.
O uso da violência é bem dosado na história, de forma que faça sentido e não soe como apelação barata para chamar leitores para si.
A editora Panini lançou essa grande história inicialmente pelo selo Grandes Clássicos DC, anos atrás, e trouxe de volta o trabalho em uma exuberante edição de luxo, com capa dura e papel de boa gramatura. Imperdível!
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