Crítica | Z
Em 1964 as forças ocultas tomaram posse do Brasil. Foram controladas e guiadas por interesses estadunidenses para evitar o que poderia ser um novo governo socialista na América Latina. O preço disso foram vinte anos de dor e sofrimento. Em 1964 o desejo de um povo criado para temer o levante comunista foi um dos principais fatores para um retrocesso social e político. Um retrocesso histórico. Um lembrete do quanto temem aqueles que não entendem. E de quanto fazem por medo.
Os pais que marcharam aos gritos de Pra Frente, Brasil nas ruas, aqueles em nome da família com Deus, tiveram suas filhas e filhos raptados, estuprados, mortos. Ainda que os saudosos repitam Nunca Fomos Tão Felizes, eles não são capazes de saber. Esses não estiveram nos porões da ditadura. Não estavam cientes das dívidas em que o país se afundava com empréstimos do estrangeiro. 1964 foi o ano em que os pais de tantos saíram de férias. O ano em que a ditadura militar se instalou no Brasil com o apoio do povo, mas em outros países ela se fez de outra forma, ainda que com mesmas peças em um tabuleiro de cores diferentes. Há sempre o medo e conservadorismo de valores estimados pelas classes dominantes, há sempre forças ocultas à espreita e alguém que simboliza o que pode haver de melhor. Um cabra marcado para morrer.
Em grego, Z quer dizer: ele vive.
Costa-Gavras é conhecido por fazer filmes políticos. Fez filmes como Desaparecido – Um Grande Mistério (vencedor da Palma de Ouro em Cannes) e seu mais recente, O Capital. Z é vista como sua obra mais famosa, possivelmente devido a tratar sobre algo de seu país de origem. Roteirizado por Jorge Semprún e baseado no livro de Vasilis Vasilikos: conta a história verídica do assassinato de Grigoris Lambrakis.
Qualquer semelhança com fatos ou pessoas vivas ou mortas não é casual, é intencional.
Z (Yves Montand). Líder do movimento socialista na Grécia. Uma figura carismática e de esperança aos jovens que não se interessavam em integrar grupos extremistas de direita. Pregavam a paz e o desarmamento de uma Grécia com forte poder militar. Perturbavam o status-quo com seus gritos e protestos legítimos, mas que antes da instalação da ditadura já se demonstravam sabotados. Espiões e ameaças já eram comuns. Os jovens, no fim, eram vistos como as pragas de uma plantação, como infectados por uma doença.
Quem combatia o que era visto como praga, doença, era a cura, ou pelo menos assim se exaltavam. Viam-se como os anticorpos no combate a ideologia que crescia no país. Os defensores da democracia. Desprovidos de ideais políticos externos. De novo, assim se viam. Isso é afirmado na primeira cena do filme, quando ocorre um monologo sobre o crescimento do socialismo em um encontro de militares. Demonizam a ideologia e buscam maneiras de poda-la. Controle dos jovens, repúdio aos intelectuais. O que se segue é a demonstração dos sentimentos fervorosos da população, seus comportamentos. Como os grupos se comportam perante seus diferentes. Z chega no país para comparecer a um comício em meio a uma enorme briga entre grupos e com presença da polícia. É na saída desse evento que sofre o atentado. O que ocorre depois são reações e investigações. Tentativas de transformá-lo em mártir e tentativas de calunia-lo.
A maneira que lidam com a relação massa, imprensa e governo se faz pela tentativa de controle da primeira, sempre. A imprensa segue as ordens do governo e não busca iniciar rebeliões, exceto por um jornalista investigativo que deseja montar o quebra-cabeça para publicar no jornal. Há também o personagem do promotor pragmático, que muitos apontam como verdadeiro protagonista. Segue somente fatos que se depara na investigação, ainda que seja afetado pela suspeita e repulsa perante o que puder identificar como comunismo. Esses dois não são tão vistos como personagens quanto são como conceitos, mas encaixa. Os outros personagens se dividem entre o grupo socialista de Z, sentimental e intenso; os militares, contidos e frios; assassinos e contratados avulsos.
A montagem do filme é uma qualidade de destaque, especialmente pela rapidez e intensidade das informações que lida com precisão e agilidade, ainda que com problemas de continuísmo perdoáveis devido a grandeza do filme. Fatos se aceleram em cortes rápidos e a memória de personagens também, em uma forma não linear, o que torna impactante para o telespectador. Rende também um ritmo fluido ao filme, até mesmo quando confrontando os opostos entre os personagens. A câmera se movimenta pelo meio dos personagens e de suas dinâmicas bem atuadas em takes que podem ser considerados longos para o padrão, somado a frames bem compostos e por vezes carregados de simbolismo e significado. A trilha sonora apresenta um ar quase cubano, com seu violão fervoroso e emocional, exagerado.
Z se demonstra um filme ainda atual, principalmente para países que enfrentam momentos como o Brasil. Levantes de conservadores por medo dos avanços progressistas. Mais do que nunca é a hora de entender e compreender o contexto, entender como melhor lidar e como evitar o aproveitamento por parte de forças ocultas, que não precisam ser necessariamente os militares, mas o sentimento de retrocesso, sentimento de desumanidade. Não importa o quão desolador pareça o momento, deve-se exaltar e sentir a humanidade. Deve-se sentir o pesar daqueles que não escolheram, no seu tempo, o lado fácil da história. E continuar.
O coração não quer parar. Ele bate.
Ele vive.
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Texto de autoria de Leonardo Amaral.