Crítica | O Som do Silêncio
Como é bom quando um filme vem “do nada” e assalta todo mundo com sua força e criatividade. Foi assim com Um Lugar Silencioso, ou mesmo com John Wick, e agora se repete com O Som do Silêncio, filme da Amazon Prime para ganhar prêmios e melhorar a imagem da plataforma nessa guerra dos streamings pela nossa atenção. O resultado não poderia ser melhor: um dos filmes mais aclamados do ano de 2020, justamente por ser tão inventivo de várias formas. A principal, claro, está em contar uma história na perspectiva de um deficiente auditivo, ou seja: inserir o espectador a fundo nesta experiência sonora, ou na falta de som, que a surdez acarreta. E o impacto do filme de Darius Marder não poderia ser mais estarrecedor.
Primeiro porque o diretor aposta tudo num drama pesado e ultra realista, que envolve o desespero do metaleiro Ruben Stone (Riz Ahmed, atuação da carreira). Cada vez mais surdo, Ruben vê seus dias de rebeldia e liberdade com sua banda underground começarem a sumir, já que o seu mundo da música desaparece a cada batida, a cada ritmo perdido (o trabalho sonoro do filme é espetacular). O baterista então se torna impotente, e aos poucos tem o seu emocional devastado, contando com sua namorada Lou (Olivia Cooke) até mesmo para garantir a pouca sanidade que lhe resta em um primeiro momento. Enquanto assistimos a sua árdua transição para o mundo dos gestos e da mudez – não ouvir a própria voz pode ser um pesadelo. A instabilidade de Ruben é total, caindo num abismo e numa revolta sem fim e nada parece ser capaz de salvá-lo… exceto a pobre Lou, bem quando o mundo dá as costas para Ruben. Ou seria o contrário?
Assim, o baterista é levado a um grupo de ajuda a deficientes sonoros e são essas reuniões que fazem o homem encontrar uma chance (que cabe a ele, e mais ninguém) de superar as condições e voltar a sorrir. Uma questão de aceitar que o heavy metal ficou para trás, quase numa outra encarnação, e o desafio agora foi reservado por um destino implacável. O Som do Silêncio investiga o poder do espírito diante da fatalidade e como podemos ser a versão Super de nós mesmos, quando isto se torna necessário. Marder comanda o show pelo viés das conexões: das nossas relações, das nossas dependências, medos e resistências que carregamos, com total paixão pela história e os seus atores (os closes são ótimos e oportunos), sempre propondo e visando uma catarse redentora, rumo aos confins do instinto de sobrevivência humano – individual, e coletivo. Imperdível.