Crítica | O Ritual
O Ritual é uma surpresa – mediana – em quase todos os sentidos, principalmente se o filme (descoberto e admirado primeiro pela crítica, depois pelo grande público) for encarado pelo fator contido e bem-sucedido, aqui, em promover a reciclagem de elementos clássicos do horror que não brincam com o explícito, e sim com a sedução em mostrá-los pouco a pouco, inserindo-os numa trama tão convidativa aos mais horripilantes eventos que podem acontecer com um grupo de seres humanos, perdidos numa floresta europeia de infinitas coníferas antes do seu lobo dar o ar da graça – seja lá qual for a sua forma. Mas é claro que, num time de quatro marmanjos mochileiros, amigos de faculdade e sedentos por uma aventura descompromissada, um cara que chama o próprio períneo de “ponte” merece ficar perdido, ou melhor, ser caçado impiedosamente, inclusive por aquelas criaturas de Um Lugar Silencioso uma vez que ele não calava a boca, mesmo.
O jovem cineasta David Bruckner sabe que a história aqui, bastante batida, é bem menos importante que a maneira certa na qual ela deve ser narrada e desdobrada na tela, em especial hoje em dia com uma centena de filmes que, anualmente, repetem seus clichês e suas abordagens semelhantes, num verdadeiro panteão cíclico de filmes do gênero que nada acrescentam ao seus espectadores. Bruckner encara a desculpa de ter um quarteto de marmanjos caminhando numa floresta como um cenário perfeito de ruptura da realidade, e como todos os outros que já vieram antes, incluindo Lars Von Trier e seu bom O Anticristo, sugere uma espécie de microcosmo para todas as possibilidades horripilantes que uma situação dessa oferece, porém, com algo raro a mais chamado “dane-se o que veio antes, eu vou fazer minha própria versão de A Bruxa de Blair”. E, por mais inesperado que seja, essa autoconfiança funciona bem até demais.
O filme é denso, com um drama convidativo a uma grande densidade. O pouco senso de humor é garantido para ridicularizar as escolhas de personagens que sentem a aproximação do maligno, e tentam se safar com alguma dignidade. Esmiuçando um exercício de gênero e deixando o suspense entrar com pompa pela porta de trás, o cineasta monta uma inteligente espiral de imprevisibilidades que podem habitar um bosque sem fim, casa do inexplicável e do macabro mesmo sob a forte luz do sol. Para isso, os quatro personagens apenas seguem seu destino em direção a uma estalagem para viajantes, e encontram um atalho até lá se embrenhando numa floresta para chegar mais rápido ao seu destino, no meio de algum lugar isolado da Suécia onde sua trilha os levou. Após passarem uma noite numa cabana cheia de magia negra, descobrem-se ser moscas presas numa teia invisível de pavores que, quando começa a tomar forma e revelar-se, debater-se diante de uma morte inevitável é a única escolha. Quando, em pleno 2018, podemos nos gabar de assistir a um horror recente que se vale pela força e a elegância de sua abordagem?
Sem apelar para sustos fáceis (os poucos jumpscares presentes aqui são oportunos ao ponto de não ofender e garantir o susto até dos mais acostumados a esse efeito), Bruckner parece reconhecer o potencial do seu filme e cerca-se das melhores referências possíveis, sendo a maior de todas o fantástico O Iluminado, clássico de Stanley Kubrick no qual todas as veias do seu horror psicológico são estudadas e remodeladas para acessarmos os recantos mais sombrios da psicologia de quatro homens atormentados num purgatório feito de galhos, lama e neblina onde o racional dá lugar facilmente ao lado primitivo (e por vezes sobrenatural) das coisas. Assim, O Ritual se mostra ambicioso com um ótimo propósito pra isso, no seu terceiro ato, e extrai as trevas de seres condenados ao fatalismo de uma situação dessas projetando-as com calma e serenidade na atmosfera pesada e obscura que rodeia toda a produção, do seu início violento ao seu fim perturbador, no mínimo, passando por toda uma vibração desesperada, intrigante e muito bem encenada que o filme nos reserva. Uma grata surpresa, de fato.
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