Resenha | Extraneus Vol. 3 – Em Nome de Deus
Convenhamos que discorrer acerca das atrocidades que nossos semelhantes cometeram e continuam a cometer em nome de um Deus, seja ele qual for, não é exatamente algo original. Entretanto, destoando de vampiros, lobisomens e guerreiros de capa e espada, o reflexo da crença no divino na vida mundana é uma temática desbravada ainda timidamente, que não se encaminha para o eminente esgotamento, tampouco se tornou blasé – e talvez isso jamais ocorra. Por quê? Ora, porque alienação, loucura, crueldade e demais mazelas que podem ser desencadeadas pela religiosidade são assuntos incômodos; inconvenientes dispensados por muitos. E é justamente esse o pertinente desconforto que os quatorze contos que compõem o terceiro volume da Série Extraneus, Em Nome de Deus, vem trazer ao leitor em suas 109 páginas.
Narrativas dramáticas, de horror e suspense se intercalam nessa breve antologia, que abarca autores de diferentes idades e localidades, com diferentes bagagens culturais e visões de mundo, e que, consequentemente, expressando-se em diferentes estilos. O virar da última página de cada conto desperta certa apreensão, pois não se sabe o que virá a seguir; podemos desembarcar num futuro próximo ou na Lisboa do século XVIII. Assim sendo, a diversidade de experiências promovida pelo livro é, sem dúvida, seu maior mérito.
Porém, embora a proposta e o formato dados à obra sejam acertados, seu conteúdo deixa a desejar. Em Nome de Deus dá seu primeiro tropeço logo na 11ª página, na qual tem início o conto O Trevo de Quatro Folhas, o primeiro do conjunto. O “defeito” do texto – que não diz respeito ao escrito em si, mas à sua disposição na coletânea – chega a ser tragicômico: a estória contada por Bethania Amaro é de uma desenvoltura e sensibilidade que o leitor não tornará a ver no restante do volume, ou seja, por ser o mais factível, o mais surpreendente e, ao fim e ao cabo, o melhor conto do apanhado justamente o primeiro deles, as narrativas subsequentes acabam por ser prejudicadas.
A partir daí, ainda que premissas interessantes se perpetuem por todo o volume, como nos intrigantes cenários criados por Eric Novello em Dúvida em Tânatos, ou por Fernando Salvaterra em Depois do Mar, falta aos autores a habilidade para quebrar os protocolos da linguagem demasiadamente rebuscada, travada, que jamais vemos aplicada no cotidiano, e das descrições didáticas. Longe da maturidade de um Joseph Conrad ao tratar da religião, boa parte dos contos se resume a sermões pessimistas, que, por vezes fugindo para o macabro, também falham em evocar com palavras a atmosfera encontrada nos relatos das referências imediatas do gênero, como Edgar Allan Poe e H. P. Lovecraft.
A essência de Extraneus Vol. 3 – Em Nome de Deus é facilmente encontrada, quer analisemos a disfuncional e pouco criativa distopia apresentada em Determinação, Fidelidade, Sacrifício – Amém, de Daniel Cavalcante, que reproduz ideias que vão de George Orwell a Alan Moore, mas sem o brio dos originais, quer peguemos o insosso Um Lobo às Ovelhas, de Marcelo Augusto Claro, que mais lembra a construção do background de um personagem qualquer de uma aventura de RPG do que um registro literário. A ideia era boa. Já o que se fez dela, nem tanto.
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Texto de autoria de Alexandre “Noots” Oliveira.