Resenha | A Pianista – Elfriede Jelinek
Erika Kohut tem 36 anos e vive em um pequeno apartamento com sua mãe idosa. Apesar de ter sido preparada toda a vida para se tornar uma grande concertista, não se destacou o bastante na música e passou a trabalhar como professora de piano em um conservatório. A mãe, única figura de autoridade, considera a causa desse fracasso a vaidade de Erika e procura através de uma existência austera lapidar a filha para sublimar essa falha.
O motor da história em A Pianista, escrito pela vencedora do Nobel Elfriede Jelinek, é a violência, não a violência óbvia e demasiadamente retratada em outros meios, mas a sutil e destruidora violência psicológica que movem nossas relações sociais. A mãe nem mesmo permite a Erika mínimas escolhas do cotidiano, proibindo-a de usar os vestidos que compra em pequenas rebeldias. Todo o dinheiro da casa é controlado pela mãe sob a promessa de proporcionar as duas um apartamento maior. No espaço em que convivem, a mãe cede espaço em sua própria cama para Érika, pois o quarto dessas não é mais que um mero depósito, sem trancas..
Porém, se dentro de casa Erika é extremamente submissa, em seu trabalho ela é a figura de autoridade. A professora é sobretudo rígida com seus alunos e esconde sua crueldade atrás da intenção de aprimoramento técnico. a personagem acredita que se a professora tão superior em conhecimentos não conseguiu alcançar o estrelato, nenhum daqueles que a procuram como mestra o merecem. Pequenas crueldades pautam o seu dia a dia, apoiada na crença que sua educação artística a faz superior e o incômodo de conviver com o populacho lhe delega o direito de ferir.
Suas ilusões a respeito de sua superioridade contrastam com seus hábitos autodestrutivos. Na ânsia de sentir, Erika se fere, e se coloca constantemente em perigo. Anda por lugares ermos, frequenta cabines de shows eróticos onde reconhece o perigo de ser violentada. Desenvolve gosto por observar casais fazendo sexo em lugares públicos. Sob a fachada de mulher respeitada, esconde um desejo pela degradação.
A tão almejada degradação encontra Erika quando um de seus alunos desafia-se a seduzi-la. O esforçado Walter Klemmer está ciente de que sua professora está no crepúsculo de sua juventude, e a considera uma presa fácil, uma escolha inteligente para uma relação passageira. À medida que a professora oferece alguma resistência, o orgulho de Klemmer faz com que ele haja como um apaixonado.
A narração em terceira pessoa nos dá uma visão total do que pensam e sentem esses três personagens, e de quais são suas motivações. Apesar deste estilo narrativo poder provocar algum distanciamento, a narrativa é demasiadamente subjetiva. Ainda que personagens causem certa ojeriza por conta da intensidade com que apresentam suas fraquezas e transgressões, seus equívocos forçam uma identificação com o leitor que perdoa as neuroses de cada um dos personagens justificando-as perante o cenário apresentado.
A Pianista foi publicado em 1983. Porém, a forma como a autora desvela as perversões de seus personagens sem pudores ainda perturba. A história ágil se sustenta principalmente pela força do choque, e em certos momentos pela quebra de nossas expectativas. O livro também conta com uma adaptação para o cinema lançada em 2001 e dirigida por Michael Haneke. No Brasil, o filme fica conhecido como A Professora de Piano, com Isabelle Rupert no papel de Erika Kohut.
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Mariana Guarilha é devota de George R. R. Martin, assiste a séries e filmes de maneira ininterrupta e vive entre o subconsciente e o real.