Crítica | O Duplo
Já no início da trama, percebe-se uma mente conturbada por parte do inseguro protagonista, Simon. Em direção à sua rotina de trabalho, o homem é impedido pela estranheza que parece ter alterado seu cotidiano há pouco tempo. O caminho rumo ao seu emprego acontece em um vagão de trem, mal iluminado e insalubre, e ele prossegue, indo por uma estação subterrânea imunda e escura. Na chegada ao portão, ele é barrado, numa clara alusão à dificuldade que tem de se sentir pertencente a um lugar. A sensação que predomina é a de deslocamento da realidade.
O aparente motivo do incômodo para Simon é a chegada de um novo funcionário, o qual lhe é grosseiro em um primeiro momento, e com mais aptidões que ele. James também é vivido por Jesse Eisenberg, e consegue representar a atuação mais moderna de seu intérprete, enquanto Simon se assemelha mais à faceta de associação comumente feita pela semelhança física com Michael Cera, emulando até a falta de dotes dramatúrgicos do ator comediante.
A dualidade presente na interação entre Simon e James é apenas um aperitivo do universo que se desenrola ao redor das pessoas presentes na película. O universo mostrado no roteiro de Avi Korine e Richard Ayoade – que também assina a direção – guarda semelhanças visuais com muitas ficções científicas de baixo orçamento, especialmente nas referências midiáticas. As alusões textuais revelam uma realidade próxima da distopia, mostrando uma tirania movida por órgão privados, como a empresa do Coronel onde Simon trabalha. A companhia, em seus informes publicitários, deixa claro que ninguém é especial, um conceito menos autoritário que o de 1984, de George Orwell, visto que não é necessariamente proibido o contato entre humanos, já que a moral e autoestima destes não permitem qualquer relação mais íntima, graças à desmotivação geral.
A lei não proíbe que casais se formem, mas a influência exercida pelo quarto poder – comunicação – faz com que as pessoas não se sintam aptas a tomar riscos, ao menos é essa sensação que é passada pela vivência de Simon. Quando ele resolve tentar a sorte ao sair com sua colega de trabalho, Hannah (Mia Wasikowska), a euforia tenta tomá-lo, em um dos poucos momentos em que cores vivas se permitem predominar na fotografia monocromática, mas o entusiasmo é interrompido pela inaptidão do rapaz e, claro, pelo azar enorme, que parece ser exclusividade sua, ao menos segundo a interpretação que faz dos fatos.
É curioso como o único que se permite ter uma visão diferenciada do processo industrial e da modernidade seja exatamente o personagem cujo fracasso é mais evidente, como se o mau agouro lhe conferisse poderes. Logo, as contrapartes vão se unindo em favor de um bem maior, que é a abordagem ao belo sexo. O convívio entre ambos faz os fatos se tornarem ainda mais estranhos do que já vinham sendo.
O modo como Ayoade conduz seu filme apresenta diferentes módulos de interpretação, tornando um “não mistério” a possibilidade de ser o par de iguais a mesma pessoa, porém não em uma curiosa opção, mas sim uma questão evidente. O enigma fica por conta da óbvia busca pela identidade, usando o roubo e a falsidade ideológica como sinais de uma possível insanidade, que por sua vez poderia ser fruto do constante escravagismo sentimental causado ao homem através dos constantes abusos da sociedade vigente.
Eisenberg interpreta as duas faces do ser masculino, apresentando nuances e maneirismos distantes o suficiente para gerar no espectador a dúvida a respeito de suas reais intenções, que ganham ainda mais ambiguidade graças à nebulosa direção acompanhada de uma trilha sonora pontual. Tais elementos conseguem resgatar a essência de um suspense noir, fazendo com que as bizarrices inerentes ao espírito não sejam tão intragáveis aos olhares do público menos afeito à estética dos weird movies.