Tag: Golshifteh Farahani

  • Crítica | Paterson

    Crítica | Paterson

    Detalhar uma personagem que é o núcleo do roteiro e da filmagem não é um processo fácil e prático. Toda a resolução será determinada pelos contrastes e conflitos inaugurados a cada contexto e cena do filme. No caso de Paterson, novo filme do diretor Jim Jarmusch, a narrativa  não é aplicada a um indivíduo, mas sim sobre a história de um local, que de tanta resiliência e fatos, possui seu único universo singular. Sua própria estória, em casos, crônicas e, principalmente neste caso, poemas.

    Paterson (Adam Driver), que leva o nome da cidade em seu registro civil, é um motorista de ônibus da cidade e possui uma vida rotineira e simples. Acorda, olha em seu estimado relógio o horário, dá beijos e carinhos em sua esposa Laura (Golshifteh Farahani), come cereais, desce a rua de casa em curvas – a simplicidade da locação é suportada pela fotografia em tons suaves e quentes, como uma metáfora mística mas acolhedora – chega ao trabalho e, antes do fiscal com problemas em sua vida o abordar para iniciar a rodagem, ele escreve um poema por dia em seu caderno.

    Os poemas escritos são tipografados em tela em uma fonte remetente a escrita esferográfica à mão, acompanhado pela narração de Driver. Cada poema dialoga com as constantes micro-mudanças na rotina de Paterson. A ida ao bar à noite quando sai para passear com Marvin, o buldogue francês caro que pode ser sequestrado, graças ao conselho da gangue da cidade. Mas além das alternâncias mundanas, há o ponto chave de todo sentimentalismo do protagonista: Laura.

    Sua esposa é um contraste narrativo, opondo-se às características de seu marido. Enquanto ele apresenta uma apatia e exclusão, usando os poemas como fórmula de escape ao seu próprio imaginário, ela expõe os sentimentos e os pensamentos em elementos narrativos que a destacam. Não só pelas dedicações artísticas e gastronômicas, mas pelo espírito e ideal autônomo e independente. As cores que mais adora são o preto e o branco, chaves visuais que funcionam como elo entre estes personagens. Ambos estão dentro de clichês diários e permitindo-se permanecer na banalidade casual, mas com intuitos de manifestarem para além de seus próprios eixos.

    A direção de Jarmusch foge do maniqueísmo que possa forçar empatia por Paterson. Apenas guia-se em um olhar mais subjetivo e observador, sendo quase que o narrador em terceira pessoa. Seu roteiro apropria-se de um argumento cíclico para inserir novos contextos e nuances relacionados ao endêmico ponto de manifesto narrativo: a poesia. Não apela para uma estante artística ou acadêmica; debruça em um lado mais sentimental e imparcial, culminando em um artigo de citação ou outro a autores reais, mas nada que faça perder o crivo de admiração por parte do protagonista.

    O núcleo de apoio armazena seus próprios conflitos e interesses, todos sendo passagem diária pelo círculo social da cidade. Jarmusch é um diretor que anseia pelo fascínio popular. Não gosta de esconder sua forma de inserir atualidade e espaço temporal-geográfico utilizando referências a gêneros musicais, artistas, poetas e o próprio cinema em sua atmosfera humorística. Concentra todos estes pontos ao centro cultural de suas personagens e criações.

    Então, mais do que sobre o singular e o banal, Paterson acredita na experiência pessoal para contar histórias sobre si mesmo, sobre a cidade, como os relacionamentos e como os indivíduos têm passado por sua escala profissional, pelos finais de semana preguiçosos, pelo aborrecimento da perca da crença. O luto dele aqui se configura mais na derradeira ocasião de descrença. Entretanto, a crença é volátil e inerente ao controle do homem e sua devoção. Fato este, importante para intrínsecos elos no filme.

    Texto de autoria de Adolfo Molina.

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  • Crítica | Dois Amigos

    Crítica | Dois Amigos

    Dois Amigos - poster

    Em determinada cena de Dois Amigos os protagonistas se infiltram em um set de filmagens como figurantes. Há a gravação de uma rebelião de estudantes revolucionários, com direito a fogo e hastear de bandeiras. É possível ouvir a fúria e expectativas dos jovens atores por um futuro melhor, talvez porque não estivessem atuando. E é assim que o diretor quer que seja. Com a veracidade de todos, as emoções compõem aquela juventude. Mas o que há além de pirotecnias e barulho quando não há nada realmente sendo dito?

    Dois homens e uma mulher desenvolvem um estranho relacionamento de “triângulo amoroso”. Entre os membros do elenco: Louis Garrel. E não, não é uma sinopse rasa para Os Sonhadores de Bernardo Bertolucci, mas o primeiro longa-metragem dirigido por Garrel e roteirizado junto com seu amigo Christophe Honoré, que já dirigiu e escreveu outros filmes com atuações de Garrel, como Canções de Amor e Em Paris. É de uma estranha coincidência o longa ressoar o filme mais famoso de Garrel como ator. Mais estranho ainda devido a sua abordagem e progressão de uma história que tem a beleza e as vezes até inocência dos jovens revolucionários, assim como sua visceralidade, que, porém, demonstra um discurso pseudo-progressista.

    Vincent (Vincent Macaigne) se apaixona perdidamente por uma barista da estação de trem. Barista essa com quem já saiu para beber algumas vezes, Mona (Golshifteh Farahani), mas, por motivos que não sabe, não houve retorno. Ele decide, então, pedir ajuda a seu amigo Abel (Louis Garrel) para conquistá-la. O principal conflito é que Mona é presidiária e precisa seguir estritamente as regras do presídio no que diz respeito aos horários de saída e chegada. Esse fato não é sabido pelos rapazes, até porque ela não tem interesse de falar sobre. Eles não se importam em perguntar a ela sobre seus interesses e objetivos, mesmo quando Mona não se mostra interessada. Eles a tiram de sua realidade e a colocam à força em uma jornada pelas ruas da cidade para que pense melhor a respeito de Vincent. Fazem isso visivelmente contra sua vontade.

    De acordo com Abel, “quando uma porta vai fechar você deve meter o pé! ”. Tal frase já denota um dos motivos do pseudo-progressismo do filme. O outro é a promoção, por parte de Garrel, de como esse seria um filme que lidaria com relações “poliamorosas” de forma a introduzir o público a outras realidades; o que não se sucede. Somente seu personagem parece ter uma vida com várias mulheres e ocasionais homens, mas isso não é suficiente para a revolução prometida. Há somente um filme sem estofo suficiente para atingir seu objetivo, ainda que lampeje aqui e ali.

    Os personagens masculinos agem de forma misógina enquanto se disfarçam com o véu dos sentimentos puros e amorosos. Só importa o desejo dos românticos, o daquele que quer ter seu “feliz para sempre”. E até se poderia dizer que assim são realmente os personagens, talvez como uma crítica social aos “homens desconstruídos” e “vanguardistas”, mas não é essa luz que se coloca sobre eles durante o filme, o que torna a mensagem dúbia e danosa. O trio se organiza em dois homens quebrados e egoístas a seu próprio modo, detentores do “direito por amor”, e uma mulher segura de si, que é capaz de se recompor mesmo após se despedaçar; capaz de beijar sem amar. Há então uma dinâmica entre eles que se mostra de forma fluida e bem construída, especialmente devido à naturalidade das atuações. Destaque em especial para Mona e sua cena de dança, que demonstra com contexto e movimentos as complexidades de sua personagem, mesmo sem palavras.

    Em questões técnicas o filme não deixa a desejar, na verdade é o que melhor faz. Garrel apresenta conhecimento técnico tanto em composições de cena como na direção de seus atores, ainda que o problema seja a maneira de abordar profundamente temas complexos. A fotografia ressoa a introspecção dos personagens, geralmente em tons escuros vibrantes, assim como a trilha sonora. A montagem, por sua vez, ordena-se com as aventuras de cada um deles e o conjunto, não dando mais atenção a qualquer um. O final poderia ser poderoso supondo um desenvolvimento que não desse margem para ser “cômico”.

    Louis Garrel estreou com capacidades técnicas e personagens relacionáveis, ainda que com apresentação e evolução duvidosa. Mostra capacidade para desenvolver uma história, ainda que esse fato não seja certeza. Assim como seu personagem, Abel, o público é deixado sem realmente uma conclusão que indique um veredito sobre o que presenciou. Quando se segue uma promessa de protesto revolucionário, é preciso mais do que grito e fogo.

    Texto de autoria de Leonardo Amaral.