Crítica | Pássaro Branco na Nevasca
O laço umbilical compartilhado entre uma mãe e seu filho possui efeito duradouro. A mãe se torna uma representação máxima de carinho e proteção, permanecendo nesta posição mesmo em fases da vida em que a criança não precisa de um grau ativo de resguardo.
Pássaro Branco na Nevasca adapta o romance de Laura Kasischke, narrado pela adolescente Kat Connors (Shailene Woodley). O desaparecimento de sua mãe é utilizado como mola dramática. Uma circunstância que modifica a vida da personagem central. A história dá continuidade à vida após o desaparecimento da mãe e ilumina o passado.
Como assistimos à trama pelos olhos e pela narrativa da garota, é perceptível uma carga emocional equilibrada entre ódio e remorso. Kat acredita que a mãe abandonou a família. De fato, há indícios que apontam para esta afirmação, ainda que a genitora tenha saído sem malas e deixado o carro na garagem. Ao falar a respeito da matriarca, notamos um desprezo sobre a relação da mulher com o pai, uma pessoa que sempre submeteu-se a ela. Eve Connors (Eva Green) é apresentada como uma mãe incrível somente quando se dedica ao cuidado da casa. É vista como uma mulher egoísta, que desejava ter uma filha como se quisesse um animal de estimação. As cenas que recordam a infância da garota corroboram esta afirmação.
Após o registro de desaparecimento da polícia, a menina segue o cotidiano normal e se despede da cidade natal indo para uma faculdade. A cada verão, retorna para sua casa e, após anos do desaparecimento, recebe informações a respeito do suposto paradeiro de sua parente.
Mesmo um tanto frívola, a representação da adolescente é coerente. Trata-se de uma garota que ainda busca sua identidade e um senso de justiça que somente a maturidade permite. Diante das modificações que um jovem sofre nesse período, é natural que, além do sentimento negativo pela perda da mãe, a garota sinta que foi agredida. Por este motivo, sente-se tão raivosa com o desaparecimento repentino. Os anos que separam o desaparecimento e a necessidade de saber o que aconteceu de fato são pequenos passos maduros que anulam parte da raiva para transparecer a saudade pela mãe. A verdade vem à tona, desejada ou não.
(O parágrafo a seguir contém o desfecho da história. Não siga adiante se não quiser saber).
Durante a trama, acompanhamos a visão da garota diante dos acontecimentos. A princípio, resignada por não saber ao certo o que sentir com o desaparecimento da mãe, em seguida mais emotiva com a passagem dos anos. Sendo assim, ainda que este elemento tenha sido alvo de certas críticas, parece natural a recepção de Kat ao descobrir que o pai foi, de fato, o assassino da mãe. O enfoque da história não é o caso do assassinato como um processo investigativo, mas sim como este desaparecimento, sendo por morte ou fuga, refletiu no interior da menina. Por isso, não há alteração da estrutura narrativa na solução do paradeiro materno.
O drama termina mostrando como se sucedeu a morte da esposa. O pai era homossexual, ou ao menos estava tendo um caso homoafetivo, e poderia ser esta a explicação para a relação familiar ruim: a ausência de desejo que, por este motivo, gerava repúdio. Neste momento, ao descobrir o marido na cama com outro homem, Eve Connors ri como se soubesse que mais cedo ou mais tarde esta cena viria a acontecer. Envergonhado pelo desprezo e a falta de respeito da esposa, o companheiro a enforca em um impulso passional diante do riso frenético da mulher.
A cena final, que revela os acontecimentos reais, tem intenção de chocar o público. Parece uma saída fácil para intensificar a obra, porém, mesmo sendo um apelo óbvio, produz a reflexão suficiente da delicadeza familiar, neste caso vista pelo olhos de uma filha que perdeu a mãe graças à violência paterna. Uma dissolução familiar completa.