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  • Resenha | Tarzan: O Filho das Selvas – Edgar Rice Burroughs

    Resenha | Tarzan: O Filho das Selvas – Edgar Rice Burroughs

    Há certos personagens que extrapolam seus direitos autorais, estúdios e editoras, e existem no imaginário da humanidade como se fossem criações imortais. Zorro, Merlin, Sherlock Holmes, e é claro, Tarzan. No caso dele, sua fama no desorganizado século XXI se dá pela animação da Disney. E muitos acreditam que foi criado para o filme, e só para o filme – embalado pela magnífica trilha-sonora de Phil Collins. Ainda de posse de sua criação em 1912, o escritor americano Edgar Burroughs se inspirou em grandes autores do passado para a criação de um mito que viria a ser o primeiro personagem multimídia da cultura pop, sendo licenciado para séries e filmes em Hollywood, sorvetes, roupas e jogos. Assim, o “rei das selvas” virou uma marca ultra popular e amada, muito antes de Darth Vader, Arlequina e Homem-Aranha (de onde veio a inspiração de Stan Lee para criar um herói que se pendura por aí? Pois é…).

    Mas Tarzan não era herói, e sim fruto do seu meio – um tema que a obra original tanto se propõe a discutir, o tempo todo. O homem faz o seu meio, o contrário ou ambos? Nota-se que Edgar, o autor empresário, escreve uma das maiores aventuras do século XX, sem tirar de órbita a importância atemporal e universal de suas temáticas: família, natureza humana, meio-ambiente, fé, destino. Se Tarzan foi suavizado na sua versão infantil pela Disney, aqui temos com esmero em uma edição comentada e ilustrada pela editora Zahar (com 40 ilustrações de Hal Foster) o verdadeiro arquétipo de um anti-herói que usa da sua racionalidade, e respeito à vida que aprendeu na floresta para não ser um selvagem igual muitos “civilizados” europeus. Criado pela gorila Kala desde a morte de seus pais ingleses, refugiados em uma cabana numa floresta esquecida por Deus, e profundamente habitada por símios e felinos, o menino é moldado na animosidade e proteção do seu bando, conhecendo o fogo pelo raio, a água pela chuva e a comida pela caça.

    Mas e a natureza humana do garoto criado por animais? O que fazer com ela, apenas ignorá-la? Quando o “patinho feio” percebe ser um cisne numa lagoa de patos, o primitivo onde cresceu torna-se estranho e o chamado da sua espécie parece encontrar Tarzan na mais alta das árvores que escala mais rápido que o próprio vento. Edgar Burroughs não poupa esforços em sua narrativa, deliciosamente tecida em terceira pessoa, a fim de revirar a essência dessa figura caricata e, ao mesmo tempo, abissal em suas circunstâncias sempre encantadoras. Tal um animal que desconhece portões, Tarzan (também chamado no livro de “lorde Greystoke”, por ter sangue de lorde) mata se for preciso, persegue e vinga a morte de seus queridos com lanças e cipós, seguindo à risca as normas da sua cadeia alimentar – afinal, o que há além dela para se seguir? Ao encontrar por acidente a cabana de seus falecidos pais, nos confins da selva, vê pela primeira vez ilustrações de prédios, gente como ele, e entende: é um alienígena.

    Ou melhor: um humano entre macacos. Forte suspeita que viria a se confirmar no seu transformador contato com a civilização eurocêntrica, para o bem e para o mal, no mais banal dos dias em uma praia (aprendendo aos poucos francês com um amigo cheio dos requintes, mas reconhecendo a ganância e a crueldade do Homem, o mais perigoso dos animais). E claro, tendo ele o seu primeiro grande (e quase trágico) amor romântico: Jane Porter.

    Tarzan é um raro romance que deve ser lido quando criança, para depois relê-lo com outra perspectiva, já adulto. Isso porque o tempo completa e enriquece as suas nuances, tornando-o um livro acessível a todas as idades (seja na doçura de uma fábula, ou na visão original e realista que Edgar magistralmente escreveu). Mesmo ao abusar um pouco das coincidências na história e de alguns vícios da época de 1912 (há leves toques de racismo e machismo, espalhados por algumas caracterizações na trama), nunca queremos terminar essa aventura. Um tesouro.

  • Resenha | Príncipe Valente: Nos Tempos do Rei Arthur – Vol. 1

    Resenha | Príncipe Valente: Nos Tempos do Rei Arthur – Vol. 1

    A importância de Hal Foster para a história e o refinamento dos quadrinhos, enquanto forma de arte, é tão imprescindível quanto a de Charles Chaplin para o cinema. Ambos artistas refém de um tempo ainda primário para as mídias que ajudaram a aprimorar, e das condições de trabalho ainda simplistas as quais dispunham para se eternizar, a partir de suas criações. Agindo como um farol nas brumas reputacionais que envolviam a produção de tiras de quadrinhos, vistas na época como ilustrações banais e sem muita importância artística e/ou estética, o escritor e desenhista Hal Foster, na vida real tão aventureiro quando seu personagem mais querido e celebrado da carreira, fez iniciar seu legado em fevereiro de 1937 com a primeira tira de Príncipe Valente, nos divertidos e inspiradores tempos do Rei Arthur.

    Ao longo de 43 anos, Foster supervisionou sua tira tal um pai a acompanhar os primeiros passos de seu filho. Assim, o artista se tornou o idealizador de toda uma mitologia própria e irresistível, sempre entre o realismo dos idos dos cavaleiros da távola redonda, e o surreal que esses mesmos homens acreditavam existir em um mundo ainda inexplorado, e portanto, repleto de abismos, dragões e a magia que no século XXI, por bem ou por mal encontra-se perdida. Nesse equilíbrio temático irresistível, tanto pela narrativa graciosa quanto pelas clássicas ilustrações de igual prestígio, conta-se a história do Rei Aguar que, expulso de seu trono, se refugia com esposa, seu único filho e seus servos fiéis para os pântanos selvagens da Bretanha, uma península montanhosa no extremo noroeste da França – notável como Foster se mostra um mestre da narração visual desde os primeiros quadros de introdução a história, influenciando várias outras lendas das HQ’s que viriam, a seguir.

    Mas este é apenas o início de Príncipe Valente – Vol. 1: Nos Tempos Do Rei Arthur. Uma publicação ambiciosa e que reúne o primeiro ano das tiras coloridas do Príncipe Valente, a fim de evidenciar todo o esplendor e a dinâmica ímpar do trabalho de Foster, em um compêndio gráfico em tamanho extra-grande e com um apreço estético simplesmente impressionante – cortesia da editora Ediouro/Pixel Media, contando ainda neste volume com uma educativa retrospectiva da vida e obra do autor, e uma entrevista de cinco páginas com o próprio artista, dono de uma imaginação delirante. Ao folhear suas gloriosas páginas ilustradas, somos transportados para um pântano sombrio que serve apenas como palco para a mutação de um menino curioso, em uma lenda. Com a morte de sua mãe, e a profecia que seu futuro será cheio de tragédias, Val (como passa a ser chamado o príncipe) deixa seu pai para trás e parte em busca de ser um legítimo cavaleiro em aventuras mundo afora, negando as facilidades que seu sangue real poderia trazer, e toda a dor que remete a ele.

    Intenso, e confiante, Val passa a ser um desses personagens que adoramos acompanhar em suas brigas, derrotas e triunfos em um sem-número de situações traiçoeiras, já que o mesmo parece atrair para si toda a sorte de problemas, missões e perigos que existem. O menino então vira adulto, e com ele, aliados, donzelas e inimigos se juntam como coadjuvantes de uma história de palácios, e monstros; espadas mágicas e amaldiçoadas, e poderosas oráculos que, com o dom da palavra, ditam o caminho de todos que a elas se submetem. Príncipe Valente reúne o que de melhor os quadrinhos dos anos 30 produziam, num encanto elementar que merece ser assegurado e cultuado com o passar do tempo em publicações colecionáveis tão inestimáveis, quanto esta. Não tão famoso quanto Will Eisner, criador de Um Contrato com Deus, e Jerry Siegel e Joe Shuster, pais do Superman na década de 1940, Harold Rudolf Foster é um dos maiores quadrinistas de todos os tempos, e não apenas no mundo ocidental das obras. Sua herança vive, intacta, e agora, melhor do que nunca.

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