Crítica | Sem Direito a Resgate
Sem espaços para introduções maiores – que não a ação contínua – Sem Direito a Resgate emula as características de seu título original, Life of Crime, ao exibir um panorama cômico da vida bandida na história norte-americana, indo desde as ações de meros batedores de carteira até as fraudes de grande porte, cujas somas acumulam muitos zeros à direita.
O início em forma de prólogo mostra dois vigaristas, Louis Gara (John Hawkes) e Ordell Robbie (Yasiin Bey) aplicando pequenos golpes em pessoas que se julgam mais espertas do que são. O método que utilizam é bastante modesto, sem qualquer sofisticação ou prévia. Nas cenas subsequentes, uma esposa submissa, vivida por Jennifer Aniston, sofre as agruras de viver com um esposo turrão. Margaret Dawson não faz ideia da posição privilegiada que ocupa, já que não tem qualquer ingerência nos negócios de seu marido, Frank (Tim Robbins), que secretamente é o cabeça de um negócio de desvio de dinheiro para contas bancárias clandestinas. O destino dos dois núcleos se cruza quando Ordell pensa em raptar a dona de casa desconsolada, para tentar conseguir um resgate.
Maior do que qualquer possibilidade de isolamento à força, típica de ações em cativeiro, é o vazio existencial em que se encontra Margaret, se sentindo sempre solitária pela atenção que jamais chega por parte de seu cônjuge. O drama da personagem é comum a de muitas mulheres da atualidade e da época retratada no filme.
O trabalho de reconstituição de época é bastante esmerado: nota-se não só nos belos cenários e figurinos, como também nos modos e no jeito de andar de cada um dos personagens. Tudo foi milimetricamente calculado para apresentar um efeito paródico, condizente com o saudosismo mas sem quebrar a empatia do espectador com os pequenos dramas diários do roteiro, fazendo de cada uma das gags cômicas engraçadas de fato, uma vez que o destino dos personagens é importante para o seu público.
As piadas do filme ocorrem “apesar” da narrativa linear, com pouco humor nonsense, mas ainda assim de bom gosto, especialmente por explorar a hipocrisia presente nas relações do americano médio de uma maneira comedida, destacando o egoísmo e individualidade como principais fatores para o distanciamento sentimental entre os iguais.
Há uma série de eventos entrópicos, que brincam com questões como infidelidade conjugal, suborno, tentativas de homicídios, claro, abordadas por uma ótica humorística, sem se levar a sério. A trilha sonora aumenta ainda mais o clima de deboche ao apresentar músicas românticas nos momentos onde a frieza dos crimes deveria prevalecer.
As reviravoltas do roteiro, típicas de uma comédia de erros, inverte alguns dos arquétipos apresentados no início do filme, maximizando a sensação de que a trama foi construída a partir de improvisos ou de uma roleta russa de eventos loucos. Em certos momentos, a obra do diretor Daniel Schechter faz lembrar os primeiros filmes de Guy Ritchie, sem a violência gráfica de Snatch – Porcos e Diamantes e Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes.
Outra referência notória caracteriza-se pelo formato narrativo de Fargo, especialmente nos pontos onde há personagens amorais, cujo comportamento errático faz com que seja impossível torcer para cada um deles. A volúpia pelo dinheiro fácil transforma as escolhas dos personagens, levados a uma vida marginal, subvertendo – outra vez – o estigma de sequestro trocando-se a vítima mas permanecendo o mesmo fornecedor do resgate. Exceto as extensivas repetições, Sem Direito a Resgate é uma boa comédia, mas de fácil esquecimento, não sendo mais lembrada cinco minutos após o encerramento.