Crítica | A Batalha do Planeta dos Macacos
No filme de 1973, a história de um mundo devastado pela terceira guerra mundial – que ocorreria na década de 1990 – é narrada pelo personagem chamado O Legislador (The Lawgiver), um orangotango interpretado por John Huston, relembrando os momentos finais de A Fuga do Planeta dos Macacos e um pouco da escravidão presente em A Conquista do Planeta dos Macacos.
Nas referências aos filmes anteriores e nos flashbacks, nota-se o cuidado de J. Lee Thompson – o único diretor a retornar à direção da franquia – em aperfeiçoar o tema proposto. Entretanto, os momentos seguintes revelam pouca elaboração, começando pela cena em que os primeiros passos da existência de César (Roddy McDowall) como líder daquela sociedade são anunciados.
Logo no início do filme, é estabelecido um mini-estado politicamente correto, utopicamente perfeitamente em suas intenções. Um lugarejo que reúne homens e símios que convivem pacificamente e se beneficiam mutuamente dos conhecimentos das duas espécies. Surpreendentemente, o tempo que separa essa narrativa, da anterior, foi suficiente para que todos os símios começassem a falar e tivessem acesso irrestrito à linguagem. Alguns deles até chegam a ler e escrever, desenvolvendo dogmas e criando leis inquebráveis no universo dos macacos.
Após a retomada da máxima “macaco não mata macaco”, o público é apresentado a um general extremamente totalitário, que contesta o pacifismo de César e é arredio quanto a suas ordens. A obrigação de aprender a teoria estudada nas escolas claramente o incomoda, o que entra em contradição com o nome que recebeu. Batizado como Aldo – aquele que é nobre ou sábio -, o mesmo nome do primeiro macaco que teria falado “não” a um humano, o líder armamentista vivido por Claude Akins não guarda qualquer capacidade de pensamento que não seja hostil e rudimentar.
César, por sua vez, tornou-se um líder engajado, entretanto demasiado sereno para a posição de um governante que concentra unicamente em si, o poder e a lei. As incongruências com a proposta inicial da saga ocorreram devido à influência dos estúdios na decisão de modificar o roteiro original de Paul Dehn, que havia participado de três dos quatro filmes anteriores. A história é suavizada, assim como haviam feito com o discurso final do líder simiesco em A Conquista do Planeta dos Macacos, além de ser reescrita por John William e Joyce Corrington, sem a complexidade da crítica social comum à saga, resultando em um entretenimento leve, produto para toda a família.
A crítica ao horror atômico é escrachada e piegas, com falas excessivamente moralistas e enviesadas, carecendo da sutileza necessária a uma discussão mais elaborada da questão. O maniqueísmo da abordagem torna o assunto mais palatável ao grande público, apesar da já consolidada popularidade da franquia, e acabou por construir um enredo simplificado e ainda mais didático que o visto em De Volta ao Planeta dos Macacos, com uma referência ingênua ao que seria o drama da Guerra Fria.
Os sobreviventes humanos da guerra são híbridos de homens comuns com os mutantes telepatas do segundo episódio. O modo como valorizam a batalha em detrimento da preservação da vida também é muito parecido com De volta ao Planeta dos Macacos, mas não é tão gritante quanto o canto lírico dedicado a um míssil atômico na referência ao tédio criado pela paz.
Numa incursão de César a uma cidade humana devastada pela radiação, o líder chimpanzé tem acesso a vídeos de seus pais depondo sobre a origem de onde vieram. Lá, César toma conhecimento do porquê os homens o odeiam tanto, embora isso já tenha sido explicado por Armando, personagem de Ricardo Montalbán, na obra cinematográfica anterior. Nota-se assim, uma preferência por ignorar os momentos anteriores da trajetória para recontar alguns preceitos novamente, mas de maneira claramente modificada.
Como era de se esperar, os ânimos se exaltam e os humanos feridos pela exposição radioativa decidem atacar o acampamento dos macacos. Os gorilas de Aldo, por sua vez, se preparam para tomar o poder à força, enquanto César se contenta em gastar seu tempo regando plantas, cuidando de seus jardins e conversando descompromissadamente com o humano Macdonald (Austin Stoker) e o orangotango Virgil (Paul Williams). Logo, o inevitável conflito se aproxima, graças aos ardis de Aldo, que manipula a opinião pública e se livra do grande líder, desviando sua atenção ao ferir gravemente seu filho Cornelius, algo que o atinge intimamente.
Apesar de todo o seu preparo, César ainda não tem o que é preciso para ser um líder sobre os seus semelhantes. Falta-lhe pulso firme para fazer de suas ordens, algo incontestável. Ele não tem uma atitude enérgica com os que entram em contradição com os seus preceitos, e quando, finalmente, reúne forças e coragem para dar fim ao confronto, o ataque dos semi-mutantes começa, e dá início à batalha mais risível dentro da filmografia primata.
Fora a iconografia visual que, entre outras coisas, influenciaria George Miller na criação da saga Mad Max, pouco há para se elogiar na esperada cena da batalha. Apesar do esforço de Thompson em matizar sua edição com as cenas mais emocionantes, quase não há como acreditar no tiroteio burlesco que é exibido, nem nas armadilhas usadas para capturar os prisioneiros humanos, que mais lembram os filmes infantis da série Esqueceram de Mim.
O ataque dos gorilas aos homens que fogem mostra-se ainda mais simplista, equiparando Aldo ao Brutus romano e reduzindo o filme a uma trama pouco elaborada. O ponto de maior complexidade da película é o tão esperado enfrentamento entre Aldo e César, momento em que a lei primordial que equilibrava o Estado primata é quebrada, com o assassinato de um macaco por outro. A partir desse momento, os símios se aproximam ainda mais da humanidade, algo reconhecido até mesmo por Macdonald.
A qualidade do filme é, possivelmente, comprometida pela tentativa do estúdio em esgotar o tema da franquia, explorando cada detalhe de forma que não houvesse mais nada para ser contado. O quadro pintado pelo diretor Lee Thompson, ao final do drama, mostra o Legislador falando a uma plateia de crianças e macacos, criando uma interação que varia do respeito à pirraça, dependendo do foco da câmera. De forma semelhante aos dois primeiros filmes, a última cena culmina em uma estátua, que, dessa vez, homenageia César. O choro da estátua termina a saga de modo ambíguo, possibilitando ao público a interpretação de que as lágrimas representam a alegria pela paz ou o temor pela inevitável guerra entre raças. Um bom final para um filme tão abaixo da qualidade dos filmes anteriores e absolutamente dispensável à franquia.
Ouça: VortCast 08: Planeta dos Macacos.