Resenha | O Mal de Lázaro – Krishna Monteiro
Com mais de 5 bilhões de cópias vendidas e distribuídas no mundo, a Bíblia se mantém como o livro mais vendido do mundo. A coleção de textos sagrados se mantém como um livro querido por seus devotos, bem como presentes nas livrarias em diversas edições, dedicadas tanto para leitura diária como para estudos. Demonstrando que, independente do motivo, trata-se de um livro com alto número de leituras.
A partir de dois personagens bíblicos, o autor Krishna Monteiro desenvolve a narrativa de O Mal de Lázaro. Lançado pela Tordesilhas, que anteriormente lançou do autor o bom livro de contos O Que Não Existe Mais (indicado ao 58º Jabuti na categoria Contos em 2016), a obra traça uma evidente parábola sintetizando dois personagens das escrituras: São Lázaro de Betânea e São Lázaro, O Leproso. Não à toa, o título remete a um dos nomes pelo qual a lepra foi conhecida em séculos passados.
Divida em três partes, a narrativa tem como mote o poema A Máquina do Mundo, de Carlos Drummond de Andrade. Uma lírica contrapondo a grandeza divina da fragilidade humana. Forte citação e coerente com a trama que apresenta uma narradora misteriosa que passa a seguir um homem, a quem batiza por Lázaro. Embora o narrador esteja presente nas cenas, é quase um personagem-observador, dando-nos a impressão de que, embora acompanhe Lázaro ativamente ou esteja em seu convívio, é um observador silencioso de um homem solitário.
As lacunas escolhidas para a narradora servem para universalizar a história, garantindo seu tom fabular. Não se sabe, ao certo, quando a história aconteceu. As descrições apresentadas explicitam somente uma cidade simples de pessoas comuns e trabalhadoras. Nesse universo que o drama de Lázaro se enfoca apresentando como ele se vê e como a cidade o percebe.
Mantendo um rigor técnico como na obra anterior, o romance cresce em densidade. Monteiro desenvolve com grande qualidade cada um de seus capítulos, dilapidando o espaço temporal, mantendo um bom ritmo lento em cada movimento da trama, transmitindo ao leitor a sensação de se sentir inserido neste universo pacato. Diante de muitos narradores contemporâneos que buscam cortes narrativos a procura de cenas rápidas, o autor escolheu manter o fluxo narrativo com calma, em um ritmo brando mais denso.
O diálogo com os personagens bíblicos é explicito, fazendo com que até mesmo o próprio narrador pontue essa observação. Mencionando como a roda da história mistura pessoas e fatos, agrupando-as em uma única linha temporal. O Lázaro do livro ganha esse nome pelas semelhanças com os personagens bíblicos ao mesmo tempo em que os representa, relendo a trajetória do leproso que após uma vida de percalços encontra abrigo ao lado do Senhor e o outro Lazaro de Betânea, ressucitado por Jesus.
Aos poucos, a Máquina do Mundo, como menciona Drummond, se conjuga na vida da personagem. Se o conceito divino é pautado como algo perfeito, sua contraparte humana é carregada de vícios. Dessa forma, é a própria sociedade que cerca o personagem que o julga, ora acolhendo-o, ora desprezando-o. Promovendo a reflexão no leitor por uma narrativa bem desenvolvida a partir de dramas humanos.
O Mal de Lázaro é mais um consistente passo na carreira de Krishna Monteiro. Um romance breve mas denso, trabalhando a mesma tônica de sua obra anterior, voltada a analisar as lacunas da existência.
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