Crítica | A Nação Que Não Esperou Por Deus
Retornando ao cenário de Brava Gente Brasileira, a diretora Lúcia Murat, acompanhada de Rodrigo Hinchsen, registra a rotina dos membros da tribo Kadiwéus, começando por uma fala sobre a intervenção do Divino na criação dos homens e na distinção de poder ocorrida entre os brancos europeus e as tribos indígenas brasileiras, que insistem em viver suas vidas ao modo de sua própria cultura, amalgamada com alguns costumes e ditames modernos. A Nação Que Não Esperou por Deus esmiúça os rastros do sincretismo religioso que predominou no Brasil colonial e que ainda hoje encontra resquícios na população.
Lúcia narra alguns pedaços da fita, relembrando as experiências da feitoria do filme de 2000, comparando suas sensações com as descritas por Levi Strauss ao também encontrar os Kadiwéus, por ver que a obra superou quaisquer expectativas prévias suas, emocionando-a ao ponto de faze-la voltar ao lugar que antes usou como base para seu longa ficcional, fato não tão comum em meio a sua filmografia.
O mote de A Nação Que Não Esperou por Deus é a discussão sobre a posse das terras, onde habitam os descendentes dos antigos Kadiwéus. O espaço no Mato Grosso do Sul foi cedido há muito tempo ao povo, e as terras sofrem atualmente questões complicadas de litígios, graças a fazendeiros que tentam legalmente ganhar os direitos de residência no local, via disputas judiciais desiguais, uma vez que eles têm um poderia financeiro bem maior o dos nativos.
O escopo utilizado na investigação fílmica inclui momentos de amenidade também, não só flagrando momentos difíceis das tribos, até para emular a realidade e rotina dos descendentes dos nativos. É curioso notar como é a relação entre os atores que fizeram parte do elenco de apoio de Brava Gente Brasileira, analisando como é a vida privada destes.
As câmeras registram um acordo feito entre as lideranças das tribos e os pecuaristas, que buscam um armistício, que num primeiro momento é respeitado, mas com o tempo, passa a ser desrespeitado, em alguns momentos agindo até com desfaçatez, sem esconder os rastros de ilegalidade, manuseando arrendamentos e apropriações por parte dos agentes da pecuária sem qualquer receio de ter a justiça contra si, uma vez que seriam eles bem mais ligados aos barões da lei, mesmo que as lideranças indígenas fosse bastante versadas na cultura e direito brasileiros.
O viés escolhido por Murat em A Nação Que Não Esperou por Deus é o de não concluir os temas, e apesar de obviamente pender para a defesa dos Kadiwéus, não há uma demonização dos homens brancos, tampouco há qualquer resquício de maniqueísmo tolo ao tratar das condições de vida dos remanescentes da antiga cultura, que até por não se vitimizarem, não são dignos de qualquer coitadismo. A cena que encerra o documentário e mostra os créditos é prodigiosa em remontar a modernização pelo qual sofreu aquele povo, sem deixar seus costumes de lado, mantendo viva e acesa identidade cultural dos mesmos.