Tag: Malcolm McDowell

  • Crítica | Jornada nas Estrelas: Gerações

    Crítica | Jornada nas Estrelas: Gerações

    David Carson, diretor tradicionalmente colaborador de bons episódios em Jornada nas Estrelas – A Nova Geração foi o responsável por conduzir o roteiro de Ronald D. Moore    e Brannon Braga, neste Jornada nas Estrelas Gerações,  e sua responsabilidade era grande, pois alem desse ser o primeiro longa metragem focado na tripulação das novas séries, também confrontaria esses personagens com os heróis de Jornada nas Estrelas – A Série Clássica.  O inicio é quase um epilogo, mostrando a inauguração de uma nova Enterprise recebe a bordo Kirk, Scotty e Tchekov, vividos por sua vez pelos mesmos William Shattner, James Doohan e Walter Koenig, e neste início, há um tom até poético, dado o saudosismo e carinho como é conduzido este período.

    Esta introdução contém momentos realmente dignos de admiração, como a inquietude de Kirk, que não se permite ficar parado, sentado durante uma crise já no espaço, e é até natural que o seu fim – ao menos para fins oficiais – tenha ocorrido dessa maneira heroica. Poucas vezes se viu uma captura de essência tão bem encaixada em um personagem clássico de Gene Rodenberry.

    É de conhecimento de boa parte dos fãs que o filme teve inúmeros problemas de produção, para além da também problemática a respeito do texto ser pobre. O maior  desses infortúnios é que esses mesmos acompanhariam cada um dos outros três filmes de TNG (The Next Generation, nome original do programa). Tanto Gerações  quanto O Primeiro Contato, Insurreição e Nemesis tem momentos de forçação tão grande que beiram o oportunismo, além de uma clara dificuldade dos scripts em lidar com tantos personagens em tela ou de justificar a reunião deles mesmo que cada um deles tenha um destino mais ou menos diferente um do outro.

    Da parte do “novo” elenco, há uma encenação bastante bizarra e grotesca, onde a promoção de Worf (Micharl Dorn) é feita no holodech, imitando uma embarcação marinha com o sujeito que é interpretado por um negro, acorrentado, tal qual  um escravo. Esse numero na verdade brinca com o fato dele ser um prisioneiro mas a relação fálica é um bocado estranha.

    Outro momento tosco é o fato de Data de Brent Spinner piorar (e muito) na questão de não entender piadas físicas, e essa seria uma temática muito explorada nos próximos capítulos da saga no cinema, em alguns pontos garantindo bons momentos e na maioria, passando apenas vergonha, mas nenhuma tão extrema quanto o visto nessa. O chip de emoção de Data e o livre uso dele piora todo o quadro, resultando então no primeiro dos pecados graves do filme, não pelo fato dele sentir, mas por conter as situações mais vergonhosas e primárias até aqui, como a descoberta de que bebidas alcoólicas são amargas, ou o estranho gosto por piadas infantis.

    O filme também carece de um bom vilão.O Soran de Malcolm McDowell é visualmente arrojado, mas não passa do superficial. Sua primeira aparição e demais momentos não se encaixam bem, se vale de conceitos e clichês a muito superados, apelando ao Império Klingon e a alguns dissidentes a pecha de inimigos da Federação, a forma como se lida com isso é antiga demais, bastante defasada e faz pouco sentido, dado que se passa muitas décadas após Jornada nas Estrelas – A Terra Desconhecida.

    As sub-tramas emocionais não tem aprofundamento, o que há é uma tola tentativa de dar importância a todos os personagens num período de pouco menos de duas horas, com quase nenhuma densidade em comparação ao que se fazia nos episódios duplos de TNG, além de se distanciar demais de uma estética cinematográfica de fato. Até reutilização de cenas de explosões de naves ocorrem neste longa.

    O retorno de Kirk 40 minutos antes do fim também soa bizarro. O confronto com o Jean Luc Picard de Patrick Stewart tem alguns bons momentos, mas não salvam a historia da enorme mediocridade e da pobreza que reside nesse núcleo. A maioria dos momentos são apenas de desperdício, não há realmente um choque de gerações, ou discussões maiores a respeito do modo tão diverso que ambos tinham de comandar as suas equipes e embarcações.

    Quase todos os personagens da tripulação – Deanna Troi, Beverly Crusher, Geordi LaForge e até William Riker – são sub aproveitados, e isso demonstra o quão mal pensado foi todo esse roteiro e argumento. O desfecho não tem força e é anti climático ao extremo, não traduz a urgência nem de um filme comum de Star Trek e nem o que deveria ser um bom crossover. Jornada nas Estrelas Gerações parece um tele filme de orçamento gigante, que tem dificuldade em descobrir sua real identidade, não cabendo nem na pecha de filme de ficção cientifica, nem extrapolação da série que lhe deu origem, tampouco é uma boa despedida de Kirk e seus amigos ou uma justificativa boa para o lema do filme, de que seria esse o encontro de dois capitãs e um destino, a não ser que infortúnio fosse esse destino.

    Facebook – Página e Grupo | TwitterInstagram | Spotify.
  • Crítica | Laranja Mecânica

    Crítica | Laranja Mecânica

    Logo depois de chegar aos limites das estrelas e do sentido em 2001: Uma Odisseia no Espaço, alcançando um grau de excelência e ambição que poucos ou nenhum cineasta dos anos 60 conseguiu alcançar, qual seria agora o próximo passo, a próxima dimensão a ser dominada por Stanley Kubrick? Ora, voltar à Terra, claro, e explorar os confins de algo muito mais complexo que o universo: a natureza humana, tão caótica quanto, e muito mais assombrosa que a mais delirante das supernovas. Parece que, em 1971, Kubrick resolveu parar de olhar para cima, com um telescópio, e descobriu que olhar para Nós, por um microscópio, pode ser ainda mais fascinante – e assustador – que os abismos extraterrestres de um vácuo espacial absoluto. Como ele próprio afirmou, na época: “A questão moral essencial é se um homem pode ou não ser bom, sem ter a opção de ser mau, e se tal criatura continua sendo humana”. Perto da complexidade do homem, o cosmos é ofensivamente óbvio.

    Chegamos então a Laranja Mecânica, um dos mais controversos filmes da cultura pop. Aquele que faz sua tia levantar do sofá, resmungando pelo absurdo de um simbolismo erótico e incômodo. Ou melhor: surreal justamente para poder ser implacável, atacando o senso comum ao ser a sua versão espetacularizada sobre o social, e o indivíduo inserido nele – e que, ao mesmo tempo, o rejeita, e interfere no mundo colocando sua natureza acima do bem-estar coletivo. Alex (narrador em primeira pessoa do filme e do livro homônimo de Anthony Burgess) e seus violentos drugues bebem leite para perverter o puro, e arrombam casas para continuar com esse trabalho de perversão, e destruição de tudo – e de todos. Dirigem para se matar, transam como bichos para não escapar do mundano, e ouvem música erudita, vulgo clássica para que o filme acompanhe seu comportamento selvagem, sugerindo assim que a tradição não serve como escudo contra atitudes desumanas. Para o jovem Alex, em seu submundo de Londres, as estrelas não existem, não importam, e o interminável caos dentro de si é o que ele tem para compartilhar.

    É a tormenta da civilização, como apontam alguns nas infinitas análises deste clássico de Kubrick, o mais controverso dos filmes do genial mestre. Ambientado num futuro quase que distópico, numa sociedade que tira das pessoas sua liberdade, e dignidade, a resposta a esse sistema vem da rebeldia generalizada de jovens que veem valor apenas no sexo e na (ultra)violência, uma vez que o mundo não tem mais jeito mesmo, e o apocalipse parece já estar atrasado para começar. Mas eles tem muito a perder, sim: sua família, em especial, uma constante que Kubrick resolve mostrar como a possível redenção desses algozes de si mesmo, e de um social atormentado por sua presença transgressora – e destrutiva, dois conceitos totalmente diferentes. Há todo um vocabulário próprio na vida e na sobrevivência desses demônios sem asas, anjos caídos cuja queda nunca sabemos quando aconteceu, mas que trazem consigo uma expressão deles que reforça a ideia de singularidade, e de não-pertencimento a normalidade. Seja através de um dialeto particular, seja por suas roupas brancas manchadas de sangue, e a falta de humanidade nas faces daqueles que rejeitam as possibilidades civilizatórias, e se entregam a barbárie.

    É justamente isso que é proposto na prisão de Alex, quando finalmente é encarcerado para ser castrado, ou seja, adestrado. Domesticado, enfim, tal o Hulk de Vingadores: Ultimato. Mas será possível endireitar aquele fatídico pau que já nasceu torto? Vejamos… se a natureza do homem não pode ser desvendada como a origem e a massa das estrelas, lá em cima, o experimento científico de Laranja Mecânica parece ser impossível de funcionar longe das fortes sessões da terapia “Ludovico” às quais Alex é forçado, pelo poder público da Inglaterra, a participar e se submeter a todo tipo de tortura psicológica, a fim de (re)educá-lo. E após o leão virar gatinho, em teoria, soltam o bichinho na selva, onde a realidade cobra o preço, no melhor sentido cármico da situação. Indefeso e chocado como o pecador que foi ao inferno, e voltou pra contar história, Alex experimenta da vingança dos que fez de vítima, já que esse foi o conto de fadas que preparou para si mesmo, enquanto que a pergunta paira no ar: é realmente possível alterar as configurações éticas de um ser humano, e realinhar as coordenadas de sua natureza?

    Na total análise desta pergunta, Kubrick vai fundo na estilização da selvageria, sem medo de construir imagens fortes, e torna seu filme uma alegoria profundamente elegante e provocativa do absurdo que muitos cometem a própria figura, e seu futuro. Quando a família do cineasta foi ameaçada de morte pelo correio, Kubrick mandou retirar o filme de exibição na Grã-Bretanha, e ainda em 1971, os críticos não atingiram um consenso sobre os valores morais, e cinematográficos de algo que nasceu para ser exibido e condenado, de imediato, por sua ousadia essencial. Mas o tempo foi bom, e Laranja Mecânica faz parte de um panteão de produções que incitam debates intermináveis em torno de seus temas irresistíveis, ao redor do globo, sendo marcante da substância a forma, abusando de uma encenação esplendorosa e um ambiente futurista, inspirado com exatidão e adoração à revolucionária (e libertina) pop-arte da década de 70 – o mobiliário no leite-bar Korova, por exemplo, é inspirado nas icônicas obras esculturais de Allen Jones, grande nome europeu do movimento. Isso porque, para Kubrick, o tesão está nos limites, e nisso, ele sempre alcançou o êxtase.

    Facebook – Página e Grupo | TwitterInstagram | Spotify.