Crítica | Fascismo de Todos os Dias
Libelo do cinema soviético lançado no ano de 1965, Fascismo de Todos os Dias (conhecido anteriormente como Fascismo Ordinário) é um filme de Mikhail Romm, narrado de maneira bem óbvia e elementar, para demonstrar até ao espectador mais desatento e incauto como funciona o pensamento e modus operandi segregador do pensamento extremista via direita. Seu começo é tímido, mostra pessoas comuns, pela ruas, em registro sem cores, se elucubra um pouco sobre a classe média, as relações, trocas de caricias e sensação de pertencimento aos grupos sociais.
Antes de mergulhar em qualquer argumento político que fuja do geral e genérico, são mostrados desenhos infantis, em homenagem as mães dos pequenos, mostrando a admiração inconteste dos filhos a suas progenitoras, para logo depois, mostrar corpos desfalecidos de judeus, que morreram com suas famílias. Esse trecho não contem falas, as imagens mostram por si só que ter família não fazia com que os descentes de hebreus fossem vistos como entes detentores de humanidade.
O filme é dividido em capítulos, e um deles se dedica a falar de Minha Luta (Mein Kampff), livro de Adolf Hitler. Nesse momento, a narração do próprio Romm se permite o humor de dizer que caso ele tenha sido lido antes, pelos que votaram na Alemanha, certamente o Fuhrer não se tornaria chanceler, e por mais irônico que seja, é real também. O filme claramente tem um viés e um lado político anti nazista, de esquerda e comunista e não tem receio de não ser assim, e até por ser extremamente livre de isenções e opinativo, serve bem a desconstrução do pensamento raso, que falaciosamente associa o Nazismo a esquerda.
O filme debocha de figuras de poder do Partido Nacional Socialista, principalmente Hitler, ao analisar uma imagem sua, bem populista, cavando um buraco de terra numa obra, em um movimento que claramente não é o de quem está acostumado a pôr a mão no arado, em uma pá ou em qualquer instrumento de trabalho braçal. Isso faz um paralelo com a atualidade, com atitudes de lideranças pseudo carismáticas, que praticam muitos atos supostamente populares para angariar afeição do público e do eleitorado. A tática é velha como o mundo, comum não só a figura de Hitler, mas de tantos outras lideranças, e agride os olhos de quem é minimamente atento.
A parte 2 do documentário começa mostrando crianças com brinquedos, na rua, variando entre jogos lúdicos, desenhos, e até provas onde as mesmas fazem sinais da suástica, ou colocam a saudação Heil Hitler textualmente em provas ou nos simples desenhos que fazem. Para boa parte da gritaria geral atual sobre as escolas partidarizarem ou não seu ensino, certamente os métodos do Ministério da Educação alemão fariam escandalizar caso fossem implementadas, no entanto os outros métodos de tática fascista que são empregados pela parte reacionária e mais radical da população e dos governos que pensam assim não assusta, especialmente quando o alvo são os ditos adversários políticos desses. Aparentemente a humanidade não evoluiu tanto quanto se pensava ou imaginava, especialmente no que tange o flerta com o fascismo em versões teoricamente mais suavizadas.
O capitulo XX tem o título de Fascismo Ordinário, e utiliza uma música alegre para mostrar os corpos dos judeus e o deboche que as tropas nazistas tinham com esses adversários, variando entre cenas de violência física e sexual, com mulheres sendo humilhadas, crianças sendo maltratadas, e idosos em posições péssimas, com cenas dos militares nas praias, recreando. Enquanto uma parcela da população brinca e se diverte (mesmo com a guerra ocorrendo), outros tem toda sua liberdade destruída e toda sua dignidade zerada. Não há o que se reclamar em relação a panfletarismo, Romm acerta demais no didatismo das informações que traz, é preciso mesmo expor a fraude que o Reich era, e é desolador encontrar parelelos disso com a atualidade.
O final de Fascismo de Todos os Dias é perturbador, envolva a narração de uma criança, sem legendas, invocando uma linguagem de impossível compreensão para adultos, variando as imagens entre as vitimas do holocausto, lembrando que a aura de normalidade permeou o governo nazista, e nem por isso o estrago e a chacina foram freadas. Por mais sensacionalista que o filme seja, é totalmente valido que ele seja assim, afinal, é importante denunciar as novas faces desse tipo de pensamento e ideologia, até para que se evite repetir essa historia.
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