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  • Crítica | Faroeste

    Crítica | Faroeste

    O filme de Abelardo de Carvalho remete ao clássico subgênero de filmes western, a começar por seu nome, Faroeste, e pela introdução muda com auxílio apenas de uma música de fundo que remete aos acordes de Ennio Morricone, compositor responsável pelas trilhas de filmes como Um Punhado de Dólares, Era Uma Vez no Oeste, entre tantos outros.

    A história é simples, e começa acompanhando Luis Garcia, interpretado por Wladimir Winter, um matador que vive seus dias normalmente até ser pego em uma tocaia, em um cena muito bem conduzida e exemplificada em terra, com sons de tiroteio ocorrendo enquanto os pássaros ao longe voam, para fugir da situação de perigo e morte. O amigo e companheiro de Luis, chamado de Sanfoneiro (Dellani Lma), sobrevive e se arrasta até outro ponto da cidade.

    Há semelhanças curiosas entre esse e o recente Dívida de Honra, ainda que Faroeste date de 2014, mesmo ano em que foi lançado o longa de Tommy Lee Jones. Ainda assim, cabe referências a westerns recentes, desde ao premiado Bravura Indômita dos irmãos Coen, até A Proposta, de John Hillcoat, emulando ainda a estrutura narrativa de O Homem que Matou o Facínora, de John Ford, graças ao flashback que mostra o passado do anti-herói que protagoniza o filme.

    O modo como Abelardo registra as imagens de seu filme é impressionante. Os enquadramentos das planícies de Minas Gerais, da cidade do interior de Pains é impressionante. A maior parte deles dariam gravuras dignas de serem exibidas em museus. A iluminação, cenários, figurino e demais designações do departamento de arte funcionam à perfeição, especialmente quando há registros em ângulos panorâmicos. Quando se mostram algumas aldeias a qualidade cai um pouco, mas nada que seja capaz de denigrir o todo.

    Causa estranheza as vozes no filme, principalmente por conta da dublagem. A fim de tentar tornar o produto em algo nostálgico, Carvalho decidiu utilizar dubladores famosos, como Márcio Seixas, Mauro Ramos, Orlando Drummond, entre outros. Para o espectador que não souber disso, certamente acarretará um estranhamento, e em alguns momentos.

    O desfecho é um pouco insosso, faltando um clímax mais emocionante, até por se ter noção do destino de Luis Garcia já no inicio, no entanto, a tentativa de Abelardo em homenagear os filmes que lhe são caros é plenamente alcançada, e a muito mais a louvar em Faroeste do que a se criticar negativamente. Caso tivesse um corpo de atores mais livres para atuar com suas próprias vozes, talvez fosse esse um melhor exercício cinematográfico, mas o visual é bem orquestrado demais para se ignorar a forma que o diretor fotografa seu cinema.

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  • [Ideias no Vórtice] “Abaixo a Dublagem” – Um contraponto a uma incoerência crítica

    [Ideias no Vórtice] “Abaixo a Dublagem” – Um contraponto a uma incoerência crítica

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    Recentemente pude conferir na grande mídia a expressão que encabeça esse título: “Abaixo à dublagem”. Olhei estranhamente para o título da referida matéria e fui conferir do que se tratava. Infelizmente não era a primeira vez que eu estava lendo aquelas ideias que, basicamente, tentam estigmatizar a dublagem como algo ruim. O ponto de partida é o fato de que nos últimos anos, no Brasil, pode se observar, ao chegarmos nas salas de cinema, que existem muito mais cópias dubladas do que legendadas à disposição do público. Alguns indivíduos que se consideram “intelectuais” começaram a se sentir ofendidos, pois preferiam assistir a filmes legendados do que filmes dublados no cinema. O que passou de uma justa crítica inicial se desenvolveu e ganhou voz como um movimento (aqui entenda como uma ideia em ascensão, não como um grupo organizado) que extrapola os limites da razoabilidade e que busca defender a extinção da dublagem em si, com uma série de argumentos que apontarei mais adiante. Pois bem, meu intuito com esse texto não é atacar ninguém diretamente, mas apenas levantar uma questão importante e que tem sido ignorada no meio de toda essa discussão, pois infelizmente é mais comum vermos pessoas da “grande mídia” defendendo esses argumentos, do que sendo contra eles.

    O recurso da dublagem é a substituição da voz original de personagens das mais diversas produções audiovisuais (aqui entram os filmes, seriados, desenhos animados, entre outros) por a de um dublador. Essa substituição pode ocorrer de duas maneiras: a mais comum ocorre quando se muda a voz original para que um dublador mude o idioma original – que é o caso dos filmes estrangeiros que chegam em nosso país, mas com áudio em português; e também temos a dublagem que é realizada no mesmo idioma com intuito de ser utilizada como meio de melhorar a voz original. As primeiras dublagens começaram a ser feitas na década de 30 e, posteriormente, passaram a ter uma atenção maior, pois permitia que através dela fossem cada vez mais desenvolvidos as interpretações vocais dos artistas. Através disso, o que se presenciou foi o surgimento de uma nova forma de arte.

    Primeiramente, incorre em erro aquele que desvaloriza a dublagem sob o argumento inicial de que ela é uma espécie de “parasita” de uma outra forma de arte pré-existente. A arte, dentro de todas suas expressões conhecidas, não existe apenas em sua forma única e exclusivamente pura, como muitos se enganam, mas também se expressam através da derivação de outros. Tratam-se de formas de reprodução e que, mesmo sendo reproduções, não perdem a qualidade artística à obra original, mas muitas vezes dão uma nova roupagem àquela (algumas vezes com novos valores inclusive).  Basta tomar como exemplo uma orquestra sinfônica que reproduz obras de Bach, Tchaikovsky, Beethoven, entre muitos outros artistas clássicos.  Eles estão reproduzindo arte. Apesar de não ser uma espécie de “criação” direta, trata-se de uma forma de expressar os elementos artísticos validamente. O raciocínio que ocorre com a dublagem é o mesmo a partir do momento em que seu objetivo não é o de “distorcer”, “deformar” ou “prejudicar” a obra de arte original – como alguns parecem acreditar, quase como em tom conspiratório -, mas unicamente o de reproduzir de uma forma única a mesma.

    A partir desse ponto entramos em outro argumento que merece ser criticado, o de que a dublagem é voltada para um público específico: o das “crianças, analfabetos funcionais e pessoas que tem preguiça de ler”. É extremamente repulsivo ouvir e ler argumentos desse tipo da boca de profissionais que se julgam intelectuais. A dublagem é uma forma de arte ampla e que busca atingir pessoas diferentes. Existe a maior preferência do povo brasileiro em ver um conteúdo dublado pela questão óbvia  da proximidade com a língua local. Não é apenas no Brasil que existe o recurso da dublagem, mas em centenas de países do mundo todo. E é completamente racional entender que uma maioria dos brasileiros prefira ver produções audiovisuais em que o áudio está em nossa língua nativa , em detrimento do idioma do local que se originou.

    Também é muito comum algumas pessoas subvalorizarem o trabalho dos dubladores. Ao contrário do que essas pessoas pensam, aquele profissional que entra em um estúdio de gravação para fazer uma dublagem não está apenas ali para ler um texto em uma folha de papel conforme as imagens de um filme ou desenho animado estão passando em sua frente. Existe todo um trabalho artístico e de preparação para a realização do mesmo. É muito mais difícil e complicado do que parece, vez que dubladores também são atores. Da mesma forma que os atores que aparecem nos filmes, estes também necessitam “encarnar” personagens, se envolver com seus papéis e realizar interpretações através de sua voz. Desse modo, é completamente razoável defender que dubladores merecem sim serem reconhecidos por seu trabalho. Eles não são “coadjuvantes” e nem “papagaios da manutenção do idioma nacional”, são principais autores de uma forma de expressão artística. Digo mais, no Brasil são pouquíssimos os que possuem seu trabalho reconhecido. Basta questionar para uma pessoa qualquer na rua quantos são os nomes dos dubladores que ela conhece. A minoria vai responder dois ou três nomes no máximo.

    Alguns ainda vão dizer que a maioria dos trabalhos dublados que assistem são de uma péssima qualidade e por isso não deveriam existir. Eu particularmente acho extremamente interessante esse comentário, pois por essa lógica, entendo que todos os outros profissionais do mercado (jornalistas, engenheiros, advogados, professores, arquitetos,…) estão cumprindo seu trabalho com 100% de eficiência. Da mesma forma que existem excelentes trabalhos de dublagem, existem também os ruins. De igual modo, como uma profissão qualquer, podemos encontrar excelentes jornalistas e péssimos jornalistas. Excelentes médicos e péssimos médicos. Enfim, toda e qualquer profissão, inclusive a dos dubladores, possui variações de qualidade. Desse modo, tal argumento não passa de uma hipocrisia.

    Assistir ou não um filme dublado deve partir de uma escolha pessoal e ninguém quer obrigar ninguém a vê-los, porém não adianta em nada querer ”cortar o mal pela raiz”, como alguns defensores do movimento dizem querer fazer.  A dublagem não é um mal e nunca foi. É uma forma de arte e entretenimento extremamente válida e louvável. Por outro lado, entramos em conflito a partir do momento que os ânimos se inflamam e gritam “abaixo a dublagem” como uma bandeira a ser vangloriada. Digo que essa bandeira deveria ser motivo de vergonha por aqueles que a levantam, pois serve, muitas vezes, como uma forma de política de intolerância. Podemos ver atitudes semelhantes quando uma pessoa incorre em racismo, veja bem, mas não me entendam mal. É óbvio que racistas estão em setores completamente diferentes às pessoas que defendem que a dublagem deva ser “extirpada”. O que ressalto a partir desse ponto é apenas uma coisa que eles tem em comum: o fato de que ambas as atitudes partem de uma ideia cujo núcleo é uma discriminação. Da mesma forma que um racista não tem interesse em respeitar, conhecer a fundo e ser tolerante com as raças contra quem pratica seu preconceito, um defensor do movimento de “aniquilar a dublagem” também parte de um ponto em que não respeita o fato de existirem pessoas que gostam de filmes dublados e também não procuram buscar a fundo o que significa aquilo. É extremamente fácil defender que a dublagem “desvirtua e destrói uma forma de arte” quando não se busca sequer entender o que realmente significa a expressão através da dublagem. Visualizamos uma forte presença, principalmente na mídia,  de “profissionais” – e aqui as aspas servem com o intuito de questionar a seriedade do trabalho das pessoas que fazem isso – que se limitam apenas aos achismos, discursos infundados e vazios – muitos já apresentados anteriormente – que no fim das contas refletem mais um tipo de discriminação.

    No fim das contas, o que podemos perceber é uma incoerência crítica. O que deve ser criticado -e eu concordo – é a ausência de opção que as distribuidoras tem nos dado. O errado é chegar ao cinema e não possuir a opção de poder assistir a um filme dublado ou legendado, mas também é errado partir do pressuposto de que esse fato é culpa da dublagem. Devemos nos atentar para a questão de que por opções de estratégias e modelos de negócio das distribuidoras nacionais – por aquilo que é mais rentável e lucrativo – é que chegamos ao cinema e não encontramos nosso direito de optar. Portanto, a crítica que deve ser feita são a tais modelos das distribuidoras, não o trabalho dos dubladores. Reitero que devemos sim defender a opção, inclusive com o intuito de exercermos nosso direito de liberdade de poder escolher se queremos ver filmes dublados ou legendados, porém toda defesa deve ser pensada racionalmente e com fundamentos razoáveis.

    Por fim, vários são os profissionais do ramo que estão diariamente trabalhando em estúdios de gravação com o intuito de buscar nos levar produtos de qualidade para nossas programações de TV e cinema. Guilherme Briggs (foto acima), Orlando Drummond, Garcia Junior, André Filho, Darcy Pedrosa, entre muitos outros, são apenas alguns dos exemplos de dubladores brasileiros que fazem um excelente trabalho, sempre com o intuito de proliferar essa forma de arte fantástica e que merece ser valorizada. Uma forma de arte que, antes de mais nada, deve ser respeitada como tal.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.