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  • Resenha | De Profundis – Oscar Wilde

    Resenha | De Profundis – Oscar Wilde

    De Profundis - Oscar Wilde - Tordesilhas

    Oscar Wilde foi um homem à frente de seu tempo. Dedicou-se a viver em função da arte e sob uma filosofia dedicada a apreciar o belo e saborear a existência. Sua obra literária, apoiada em peças literárias, contos e no romance O Retrato de Dorian Gray, refletia sua percepção apaixonada sobre a vida e a arte. O renome em sua época, porém, não foi suficiente para evitar julgamentos morais que, além de taxá-lo como subversivo devido a sua possível bissexualidade, levaram-no à prisão e à derrocada pública.

    De Profundis, lançado pela Tordesilhas com tradução de Cássio de Arantes Leite, une a ficção e a realidade com Wilde como personagem principal de sua própria arte nesta obra que relata o período em que passou encarcerado por cometer atos imorais com diversos rapazes, de acordo com a acusação. No epicentro da história, está a relação do escritor com o jovem poeta Alfred “Bosie” Douglas, cujo pai, o Marquês de Queensberry, foi responsável por transformar o caso amoroso em matéria judicial.

    A obra não era fundamentalmente literária. Porém, devido à potência narrativa de Wilde, se transformou em parte de sua arte. Com prosa rica, delineada e fluida, Profundis é um relato epistolar feito inicialmente para o amante, uma correspondência intermediada por seu editor em que o autor dialoga com Bosie de maneira amarga, expiando a raiva e repassando essa relação que lhe cerceou a liberdade e afastou-o da arte, objetivo primordial de sua vida.

    A vida subjugada do autor é reconfigurada pela prosa, estabelecendo um documento histórico e literário que retrata a sociedade da época e mantém a prosa rica e elegante, produzindo metáforas excelentes sem perder a ironia de um observador atento. Durante o relato, Wilde revela a relação com o garoto Bosie, um estudante que lhe escreve pedindo ajuda e futuramente se torna um amigo íntimo. Na obra, se despe de reservas para analisar seu sentimento de culpa e ódio ao estabelecer a relação parasitária de um jovem que abusava do amor do escritor à procura de dinheiro e status social.

    A angústia que sentia enquanto vivia satisfazendo as vontades do jovem poeta ultrapassava os gastos excessivos e as dívidas que acumulou devido ao caro estilo de vida de Bosie. Desejando sempre ser o centro das atenções, o amante fez Wilde deixar sua arte em segundo plano. No cárcere, destacado como um momento triste e solitário, dedicado à reflexão do que há de pior na vida do prisioneiro, o autor se lamenta por  ter se afastado da literatura, considerada o objetivo primordial de sua existência.

    Quando o escritor decide modificar a relação com o amante, Bosie utiliza diversos apelos e procura intervenções para evitar o fim da relação. Sentimental, apela para a família e os amigos do autor. É neste momento em que o pai intercede pelo filho e começa uma campanha para difamar Wilde. Campanha que termina com seu julgamento e cárcere por dois anos.

    A intervenção do Marquês de Queensberry transparece, pela prosa do autor, um excesso de poder de um personagem da sociedade incomodado com a relação homossexual de seu filho. Wilde sempre pregou um estilo de vida hedonista, que é transparecido em suas obras, e este elemento foi uma das bases para argumentar contra o escritor em juízo. Ainda que conheçamos somente um dos lados da história, a prosa é hábil em convencer o leitor de que Wilde se entregou a um amor que, ao mesmo tempo que lhe fazia feliz, o deixava desconfortável. Combalido física e mentalmente na prisão, o autor restabelece parte de sua paz ao expiar sua história através da narrativa, a primeira produzida no cárcere e anterior a outras boas obras, como A Alma do Homem Sob o Socialismo e o poema Balada do Cárcere de Reading.

    Mesmo em agonia da prisão, o autor alcança seu objetivo de manter a arte como fundamento primordial de sua vida, transformando um momento de infelicidade em um relato epistolar íntimo, que dá sequência à sua obra literária e universaliza a condição do homem diante de uma sociedade nem sempre hábil a lidar com a justiça composta pelos homens.

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  • Resenha | O Retrato de Dorian Gray – Oscar Wilde

    Resenha | O Retrato de Dorian Gray – Oscar Wilde

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    O Retrato de Dorian Gray é um clássico da literatura mundial a ponto de ter se inscrito no imaginário mesmo daqueles que nunca leram o livro. A história do homem que, por algum pacto maligno e desconhecido, pode manter sua juventude, enquanto um retrato envelhece em seu lugar foi referenciada milhões de vezes pela cultura pop e tornou-se uma narrativa emblemática a respeito da vaidade e do poder efetivo da beleza.

    Dorian Gray é um jovem que, no século XIX, acaba de chegar à alta sociedade londrina. Ingênuo e ainda desconhecendo o poder que sua beleza extraordinária pode exercer, ele se deixa pintar por Basil Hallward. Quando posa para sua sessão final, Dorian conhece Lord Henry Wotton, cujo cinismo abre seus olhos e o transforma imediatamente. No momento exato de sua corrupção, algo ocorre e ele e o retrato tornam-se duplos, a imagem passará a absorver não só a passagem do tempo como as marcas dos pecados do protagonista, deixando-o livre para viver sem qualquer consequência moral para seus atos.

    Oscar Wilde possuía o hábito de inserir porta-vozes em suas obras, os aforismas cínicos pelos quais é conhecido não foram enunciados por ele mesmo, mas por personagens em suas peças de teatro. Esse costume, de misturar-se com os personagens e usar a literatura como meio para comunicar suas próprias opiniões, acabou levando Wilde à prisão. Quando O Retrato de Dorian Gray foi lançado, parecia óbvio que havia um tanto de Wilde tanto no personagem-título quanto no perverso Lord Harry e, principalmente, que havia um tanto do autor nas diversas insinuações de homossexualidade que perpassam o livro.

    A homossexualidade era considerada crime na Inglaterra da época e diversas passagens do livro foram alteradas ou amenizadas quando seu autor foi levado a julgamento. A edição nova da Biblioteca Azul traz de volta a versão original, consideravelmente mais explícita do que a que eu havia lido antes, com notas a respeito do que foi alterado. O ganho dessa nova edição não é de “escândalo” ou obscenidades, já que as passagens que levaram Wilde a cadeia são bastante inofensivas aos nossos olhos, mas o domínio de texto do escritor e a sutileza de suas ambiguidades é notável, essa nova publicação faz finalmente jus à riqueza minuciosa do estilo de Oscar Wilde.

    Além das passagens censuradas, o livro traz diversas notas e comentários que ajudam a situar o contexto da época e indicam as relações entre a biografia do escritor e seu romance. A sociedade vitoriana era extremamente codificada: havia significados implícitos em flores, cores de gravata, formas de cigarreira e as notas ajudam a traduzir essas mensagens. É impressionante o cuidado e o simbolismo que cada detalhe acrescenta ao livro, tornando O Retrato de Dorian Gray uma obra complexa e sutil, muito mais aterrorizante por tudo que está em seu sub-texto.

    A narrativa tem ares de conto fantástico e influências góticas e o comentador explicita sua relação com O Médico e o Monstro, outra grande história vitoriana a respeito de duplicidade. Oscar Wilde cobriu de terror uma história que é, no fundo, ácida e irônica, para além de Lord Harry. O amigo de Dorian é explicitamente irônico e responsável por algumas das pérolas pessimistas de Wilde, mas a ironia maior está no retrato que ele faz de sua sociedade: dos homens e mulheres muito corretos, mas perfeitamente dispostos a se fascinarem por um belo jovem que nunca envelhece. O autor aponta o dedo sem perdão e constrói um maravilhoso jogo em que personagens da vida real são expostos sob a fachada da ficção.

    Mais do que ser homossexual, Oscar Wilde ousou apontar a hipocrisia de uma época que mentia como respirava. A sociedade vitoriana não poderia existir sem mentiras e disfarces e o escritor tomou como missão escancarar esses artifícios, as notas dessa nova edição revelam a relação entre personagens do livro e pessoas da vida real, assim como os locais citados pelo autor, como clubes e teatros.

    Sem dúvida, O Retrato de Dorian Gray é uma obra maravilhosa sem essas informações. É um livro sutil, irônico e envolvente sobre a corrupção de alguém que não corre riscos. A tese de Wilde parece ser que a moral nasce apenas do medo da punição, se fossemos completamente livres, como Dorian, também afundaríamos da mesma forma. É uma história universal sobre a natureza humana, escrita sem tom moralizante: talvez o maior mérito do escritor seja justamente seu estilo leve, fluído, agradável de ler.

    Mas a nova edição traz adições interessantes e pode ser uma boa desculpa para voltar a um livro que muitos leram anos atrás. Além das informações contidas nas notas e comentários, O Retrato de Dorian Gray ganhou uma nova dimensão em minha segunda leitura apenas porque há ambiguidades e insinuações que certamente me escaparam aos dezesseis anos. É uma bela volta para um clássico de tanto tempo.

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    Texto de autoria de Isadora Sinay.