Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Filipe Pereira, Bruno Gaspar, Julio Assano Júnior (@Julio_Edita) recebem Anderson “Perna” Meira (@ThePerna) para comentar sobre a série de filmes iniciada em 1987 pelas mãos de Paul Verhoeven: RoboCop. Neste episódio, comentamos sobre as discussões envolvendo o universo cyberpunk dos filmes, curiosidades e todos os temas político-sociais.
Duração: 109 min. Edição: Julio Assano Júnior Trilha Sonora: Julio Assano Júnior e Flávio Vieira
Arte do Banner: Bruno Gaspar
Robocop 2, continuação menos inspirada de Robocop: O Policial do Futuro, começa emulando características do primeiro, com comerciais que visam defender o povo da ultra violência, mas que são quase tão agressivos quanto os modos das gangues que atacam a cidade. Irvin Kershner – o mesmo que conduziu O Império Contra Ataca – traz a luz uma criminalidade menos estilosa, ao mesmo tempo em que ela aparenta ser mais normal, no sentido de não ser irônica, ela também é mais caricatural, no sentido de aparentar se compor basicamente pelos latinos que normalmente são relegados ao papel de vilões maniqueístas nos filmes de Hollywood.
Peter Weller retorna ao papel principal, inclusive fazendo sua contra parte, Alex Murphy, em flashbacks, onde se percebe o peso dos anos sobre se rosto e calvície. O roteiro de Frank Miller e Walon Green tenciona mergulhar na origem do homem por trás da máquina. Esse começo reúne elementos de premissa muito promissores, e que aos poucos, são deixados de lado.
A OCP se mostra ainda mais maligna que no primeiro filmes, armando para que a polícia entre em greve, para fazer com que eles se endividem, para então conseguir comprar os direitos de proteção a Detroit, para enfim privatizar a cidade. Novas tentativas de substituir o policial de aço são feitas e todos os Robocop 2 são fracassados – talvez seja esse um comentário metalinguístico involuntário, referindo ao fato de não ter mais o diretor holandês nessa obra também. O modo como os opositores encontram para hackear herói é meio pueril, assim como a idéia de ter um vilão infantilizado como chefe do crime organizado. A questão de tomada de controle do vigilante foi referenciada levamente, na versão de 2014, o famigerado Robocop do brasileiro José Padilha, ainda que lá a prerrogativa fosse mais adulta que aqui.
A cena em que a medula e olhos de Cain (Tom Noonan) estão presos ao seu cérebro, e são mostrados fora do corpo, como parte da engrenagem da nova encarnação de Robocop 2 é absolutamente esdrúxula. O nonsense não chega nem perto de ser aceitável, é só bobo, diferente do que Paul Verhoeven propunha antes. A nova face da OCP, liderada por Surgeon General (John Ingle), Holzgang (Jeff McCarthy) e assessorada por Donald Johnson (Felton Perry), que estava no primeiro filme é bem diferente dessas mesmas contrapartes no filme original e parecem um trio de patetas, que querem lucrar desesperadamente mas não sabem como fazer isso.
A luta final é terrível, o stop motion é mal utilizado e burrifica ainda mais o roteiro que já não era grandes coisas. Essa cena rivaliza com uma outra, que mostra as partes de Robocop separadas entre si como a mais ridícula de toda a franquia, mesmo considerando que a parte 3 é pior, essa tem muito mais momentos de pura tristeza. A ideia de renovar a ganância OCP soa como mera copia do episodio original com a diferença básica de que a maior parte dos conceitos aqui são mal pensados, simplesmente não encaixam, por serem só versões pioradas do que já foi explorado antes. Robocop 2 poderia ser maior, fundamentalmente se desse vazão aos novos questionamentos, como a tentativa de Murphy em se aproximar da sua família, mas ao invés disso investe em ser mais um produto de ação genérico.
Critica irônica sobre a sociedade americana, disfarçada de filme genérico de ação, Robocop: O Policial do Futuro é um filme de Paul Verhoeven, talvez seja o primeiro longa seu no cinema grande de Hollywood de sucesso comercial indiscutível. Já no início é estabelecida uma questão primordial, que é a de se contar a história através dos noticiários de televisão, onde se denuncia a enorme onda de violência da cidade de Detroit, fato esse que se agravaria inclusive no espectro de realidade da cidade, anos depois.
Logo, outro núcleo importante é mostrado, que é o dia a dia dos policiais, com Alex J. Murphy (Peter Weller) tendo de conviver com um cenário conturbado na delegacia policial, junto aos seus amigos lamentando pela morte de mais um homem. Ele se aproxima de Anne Lewis (Nancy Allen), uma mulher destemida e bela, que seria sua parceira de patrulha. Em pouco menos de dez minutos, também é mostrada uma reunião de OCP onde Dick Jones (Ronny Cox) , o chefe executivo tenta mostrar a ação de seu androide, além é claro de outro personagem, o ambicioso Bob Morton (Miguel Ferrer) , um sujeito que também é bastante caricatural, expondo assim a visão crítica do diretor holandês sobre os ícones estadunidenses.
Esse epílogo serve basicamente para justificar a construção do conceito de tira total que permeavam os materiais de divulgação, sendo a frase inclusive parte do slogan brasileiro do filme. A tentativa via ED 209 falha obviamente graças a falta do fator de julgamento humano – a cena em questão inclusive é exagerada num nível absurdo, sarcástica e repleta de gore – mas iria para frente em uma espécie de reimaginação do conto de Frankenstein. A gênese para isso, é quando Murphy encontra o bando de Clarence Boddicker (Kurtwood Smith) e é apresentado como uma das camadas do crime que toma a cidade de assalto. A morte do policial é agressiva em um nível poucas vezes vistos, com uma violência gráfica atroz, mas esse não seria o fim do tal herói.
Na mesa de cirurgia, enquanto os profissionais de saúde tentam resgatar o que restou de sua carcaça, Murphy relembra dos momentos que teve com seu filho e com sua esposa, além é claro de perceber o momento de sua “execução”. Logo depois o maquinário é colocado e ele passa a enxergar sob o visor de Robocop e não demora a ele ter suas funções e habilidades mostradas para os seus empregadores e financiadores. O primeiro assalto impedido pela máquina de combate é em uma loja de conveniência, onde um sujeito assalta uma senhora com uma metralhadora, logo depois uma dupla de arruaceiros tenta estuprar uma mulher fazendo uso de um canivete, e o policial atira no meio de suas pernas. A violência envolvida no conceito em torno de Delta City contamina população e também o vigilante pré fabricado para si.
Robocop tem o componente humano que seu anterior não tem, que é a possibilidade de ter alma, mas até esse aspecto é explorado tardiamente, no começo ele age como uma máquina de matar. Ao ver uma mulher sofrendo estupro, ele decide dar um tiro nas partes intimas do violador. A violência e agressividade não choca quase ninguém pois até a moça agradeceu o policial por te-la salvado.
O lema do Murphy robotizado é vivo ou morto você vem comigo, um contraponto curioso ao executado por T-800 em Exterminador do Futuro, que dizia venha comigo se quiser viver. A diferença entre as duas inteligências artificiais não pára aqui, uma vez que todo o ideal por trás da Skynet tem muito a ver com o que a OCP faz, com a diferença que a segunda organização é mais cínica e preocupada em capitalizar a todo custo, e não necessariamente com dominação mundial. A visão que Verhoeven e o roteirista Edward Neumeier e Michael Miner tem é muito mais pragmática que a de James Cameron.
Os trinta minutos finais tem uma freada brusca nas descobertas que propõem, para finalmente dar um pouco de ação e extravaso para Murphy, onde ele finalmente bate de frente com os homens que infligiram mal ao seu antigo corpo orgânico, obrigando-o a ter uma vida cibernética, dividindo-o entre homem e ciborgue. A sequência em si contém momentos épicos, como o exagero que torna um dos opositores em uma massa deformada, graças ao ácido que cai em si, e pior, o faz ser executado em um atropelamento que espalha os seus membros, simbolizando ali a condição que ocorre a todo o povo de Detroit, que é refém da OCP, de Jones e companhia, além de ser mais um indicio cíclico da queima de arquivo dos personagens do filme.
O objetivo de Verhoeven nunca foi o de redefinir nada, nem de redefinir a roda, mas sim fazer uma reflexão contemplativa do modo de vida americano extremamente consumista, não à toa os comerciais inseridos no filme são tão inspirados. Seu intuito não é fazer o espectador ter repulsa a isso, tampouco há admiração do mesmo por tais práticas, há só uma observação atenta a esse estilo de condução de vida, sem maiores julgamentos morais, ainda que haja sim um pouco de discussão ética, que por sua vez, nem é velada, uma vez que Murphy sofre em pele, músculos e mente a interferência de uma multinacional que visa apenas lucro.
A sequencia final também é repleta de simbolismo, descarregando enfim todo a ironia que Verhoeven viu no texto inicial, destrinchando de maneira agressiva o terrível circulo vicioso de violência e agressividade que recai sobre a nação americana. A repetição da cena em que os estupradores pegam uma refém, com Jones tentando usar o presidente da OCP como escudo é a prova cabal de que o realizador queria mostrar que a história moderna dos EUA é redundante, como a de um cachorro correndo atrás do próprio rabo, mostrando a violência implacável só aumentando graças a necessidade de vingança que impera no ideal do americano médio.