Tag: rafael albuquerque

  • Resenha | Batman: A Noite das Corujas

    Resenha | Batman: A Noite das Corujas

    Batman - A noite das Corujas - panini - capa

    A primeira saga pós-reboot da DC que envolve mais de um título surge através do herói mais popular (e caça-níqueis) da editora. A Noite das Corujas tem uma introdução presente nos primeiros sete números de Batman, de Scott Snyder e Greg Capullo, com o arco denominado A Corte das Corujas, que insere um culto secreto que influencia diretamente no curso da cidade, tomando para si os décimos-terceiros andares de todos os prédios da metrópole e liberando assassinos exímios que servem de capangas aos seus propósitos malignos, os Garras.

    A saga começa no número oito de Batman, mais uma vez capitaneada por Scott Snyder e, como já era previsto no arco primário, a Corte lançaria um ataque a Wayne. Tal investida é interessante e bem urdida, assim como toda a arquitetura dos assassinatos e a ordem das execuções dos grandes nomes de Gotham. As histórias extras, desenhadas pelo brasileiro Rafael Albuquerque – que já havia feito uma ótima parceira com Snyder em Vampiro Americano – dão um ar de urgência ao drama vivido pelo mordomo Alfred Pennyworth, verdadeiramente amedrontado pela presença dos Garras em sua casa.

    As revistas acessórias servem para mostrar como se alastrou a ameaça da Corte, especialmente em Asa Noturna – que mostra um Dick Grayson com uma causa pessoal – , desenhada magistralmente pelo brasileiro Eddy Barrows. Outras histórias paralelas servem como Tains da linha universal da trama. O checklist oficial inclui edições de Batwing, Batgirl, All Star Western, Batman e Robin, Mulher Gato, Detective Comics, Batman O Cavaleiro das Trevas, Capuz Vermelho e os Foras da Lei  e Aves de Rapina.

    Em Batman 9, a batalha dentro da mansão Wayne prossegue, com o Cruzado Encapuzado usando uma mega-armadura, a la Robocop, para combater o exército de capangas super-desenvolvidos. Em uma manobra semelhante a que fez em Ano Um, o herói se desvencilha dos opositores com seus companheiros mamíferos, para logo depois se enfiar em uma investigação pela cidade, em que chega atrasado para a execução de Lincoln March. Mais uma vez, a side-line envolvendo os Penyworths, ao final da edição, apresenta uma faceta mais interessante da saga. Os desenhos de Albuquerque abrilhantam demais as seções e tiram um pouco a sensação ruim deixada ao leitor ao ter de suportar a arte de Capullo. As origens explanadas incluem também tramas pretéritas do casal Thomas e Martha a respeito do que seria a Gotham do presente. A chamada Queda da Casa de Wayne é narrada por Jarvis Pennyworth, pai do fiel mordomo.

    Incrivelmente as edições de Batgirl não estão mal escritas. Gail Silmone, que estava à frente há pouco tempo dos roteiros de Aves de Rapina até faz um bom começo, com aventuras pouco rebuscadas e de cunho escapista. Até a escolha em por Barbara Gordon tendo um embate contra uma mulher parece ser uma escolha acertada, mesmo que soe covarde. Já em Batman e Robin, a publicação se baseia inteira no carisma de Damian Wayne, que não é pouco. Sua popularidade segura muito bem o título e a violência gráfica também prende a atenção do leitor.

    Um dos elementos que deveria ser o diferencial positivo da série acaba por vezes sendo um flagrante defeito. A motivação da Corte das Corujas seria a de limpar a cidade, mas como dito pelos próprios membros, eles são um meio-termo entre a justiça e o crime, o meio-termo entre o bem e o mal, o cinza que converge entre preto e branco. Esse posicionamento pretensamente equilibrado parece mais com algo pouco engajado do que um movimento taxativo. Serve para justificar o sobrenome do Asa Noturna, pois ele seria o “filho do Cinza” – Gray Son – e este argumento não é uma piada. Essa máxima precisava ser melhor trabalhada, e a negligência não se justifica por falta de espaço, visto que muitos números da saga nada dizem, ou seja, havia espaço para fundamentar isso.

    Um dos desfechos da saga se dá em Batman Annual 1, com roteiros de Scott Snyder e James Tynion IV, com desenhos de Peter Steigerwald, em uma história que explica um pouco a origem de Victor Fries – o Senhor Frio – além de contar qual foi a sua participação na “ressurreição” dos Garras que atacaram os alvos propostos pela alta cúpula. A gênese do vilão é trágica igual ao seu background pós-Crise nas Infinitas Terras, mas neste é atrelada a Waynetech e (muito) pessoalmente a Bruce, que destitui o cientista de sua pesquisa para a cura de sua esposa, por este não estar desempenhando bem o seu ofício empregatício primário. O herdeiro de ouro de Gotham tem uma postura muito radical e até meio egoísta, especialmente em contraste com o que falava no início do arco, sobre esperança, amor e paz, negand0-se a solidariedade que viria junto a todos esses bons predicados.

    O plot twist abre mão de uma condição praticamente canônica relativa a Senhor Frio somente para justificar a motivação de uma sociedade secreta (nunca antes mencionada), um algoz que não faz jus a tais retcons. Toda a construção relacionada a isto é chocante, mas sem qualidade; um grito sem espírito, carente de alma, algo sensacionalista e baseado em nada. Evidente que, a partir disso, a questionável moral do playboy órfão e filantropo volta a ser algo inabalável.

    O sacramento da honra de Bruce é preservada; o mesmo não pode-se dizer da moral presente no clã Wayne. A solução escolhida por Snyder para finalmente derrubar a portentosa Corte é muito fácil, nada original, com um ar irritante de comida requentada, pois o roteirista se vale de máximas antes utilizadas por Morrison e por Jeph Loeb em Silêncio, que já havia aventado a possibilidade do irmão  Thomas Wayne Júnior retornar – mesmo como um mcguffin safado – de forma muito apelativa. O grave problema de Corte das Corujas é que ela termina de modo anticlimático e conservador. Todo o circo armado serviria para fortalecer a mensagem repleta de pieguice do homem que jurou proteger a cidade a todo custo.

    Compre: Batman – A Noite das Corujas.

  • Resenha | Mondo Urbano

    Resenha | Mondo Urbano

    Mondo Urbano - Rafael Albuquerque

    Talvez a melhor forma de explicar Mondo Urbano para o leitor seja o texto de Rafael Grampá, publicado no prefácio da revista, comparando o ofício de um quadrinista com o de um músico, que esta à caça de uma banda. Tal problema de incompatibilidade é compartilhado entre os dois tipos de artista, pois a parceria entre artistas da nona arte também é difícil e requer a união entre pessoas confiáveis, claro, com uma fina sintonia bastante difícil de encontrar. A fúria incontrolável unida à violência disparatada mostra suas garras já no capítulo um, a agressividade do Rock é a tônica da história.

    Mateus Santolouco e Eduardo Medeiros mostram no argumento suas grandes influências musicais, citando trechos de canções nos inícios dos episódios. A arte de Rafael Albuquerque (de Vampiro AmericanoSavage BrothersBezouro Azul e Superman /Batman) traz legitimidade até a selvageria presente no ritmo de bater de cabeças e riffs de guitarra em altíssimo volume, além de capturar como ninguém a violência dos atos do protagonista, emulando os efeitos do uso excessivo de entorpecente.

    A arte entre os capítulos se alterna entre um desenhista e outro, fazendo com que as produzidas por Rafael tenham um tom um pouco mais sério em suas abordagens. O roteiro abusa de clichês ligados ao rockstar, tratando de viagens alucinógenas, boatos a respeito de pactos satânicos e tantos outros elementos aludindo figuras ilustres do Hard Rock e do Rock Clássico. Escatologias e piadas de cunho adulto permeiam todo o mote da história, como a overdose que os autores adeptos do Sexo, Drogas e Rock ‘n’ Roll tanto sonhavam em ter como fim.

    Os signos escolhidos pelos autores são emblemáticos. A Banda De-mo representa o sucesso máximo dentro do nicho, permeado de boatos que beiram o impossível para explicar sua trajetória de sucesso. A fama repentina de Van Hudson (líder do grupo) tem uma razão para ter sido assim tão caricata quanto sua alcunha, com uma origem aventada junto a um boato satânico. Sua morte é envolta por muitos mistérios. A droga nova, chamada Fuckdrina remete a busca pelo barato perfeito. A variação de estilo cai muito bem, entre o cartunesco, mas nada infantil, abordagem até o clássico sério lápis de Albuquerque, que contrasta as porralouquices mostradas nas páginas.

    O roteiro brinca muito com os sonhos dos músico iniciantes, com as luxúrias, abusos e regalias de um rockstar, com o sucesso musical e consequente legião de fãs. O epílogo lembra muito o drama da segunda temporada de Californication, onde Hank Moody (David Duchovny) investiga a vida do produtor musical Lew Ashby (Callum Keith Rennie), até sua morte por overdose. A estética escolhida tem mais a ver com espécimes do Rock internacional do que com os “pauleiras brazucas”, o que o torna o drama universal. Mondo Urbano é um ótimo exercício autoral da parte dos três realizadores, que sabem dosar suas referências, mantendo uma respeitosa reverência àqueles que estes veem como mestres.

    Compre aqui.