Crítica | Hitchcock
Desde a fundação da sétima arte, alguns profissionais – sejam produtores, diretores ou atores – desenvolvem uma carreira tão ímpar, muitas vezes com talento destacado, que transformam-se também em personagens para futuras histórias, de criador para criatura.
Retratar uma personalidade em um filme biográfico, apresentando sua vida em totalidade, sempre é uma missão ingrata. Algumas produções vêm optando por apresentar parte da história, em um momento significativo que apresenta o cerne do biografado de forma que seja possível compreendê-lo – Sete Dias Com Marilyn e Capote utilizaram-se deste estilo.
Hitchcock abrange o período de criação de Psicose, uma das obras mais significativas do mestre do suspense. Prestigiado desde a época, o diretor sofria leve pressão da crítica e do público, que aguardavam ansiosos por um novo e excelente projeto, questionando se a idade não teria amenizado Hitchcock. Em meio as incertezas, Hitch investe em um romance recém-lançado de Robert Bloch, uma narrativa inspirada no serial killer Ed Gein – homicida, ladrão de lápides que utilizava cadáveres como troféus – que nenhum outro estúdio se atreveu a utilizar.
A trama inicia-se em uma representação da história de Gein, emulando o programa de televisão “Hitchcock apresenta”, em que o diretor era mestre de cerimônia. Dialogando com o público, Hitch justifica que, se não houvesse a horrenda história do assassino, sua obra-prima não viria à tona.
Filmar uma história real, violenta ao extremo, em época moralista e com censura cinematográfica era um processo difícil. O diretor teve que investir dinheiro do próprio bolso para a realização, já que a Paramount Pictures, com que tinha um contrato, aceitou somente distribuir a produção.
Dono de um perfil genial e genioso, dedicado aos prazeres da comida, romântico ao se apaixonar por cada uma de suas estrelas loiras, boa parte da sustentação de Hitchcock vinha de sua esposa, Alma Reville, roteirista e editora que teve um papel fundamental na conclusão de Psicose mas que, durante a produção, sente-se negligenciada pelo marido.
A problemática profissional e pessoal parece eclodir em Psicose, dando corpo à loucura da personagem e ao genialismo de Hitchcock, ciente de que a censura negaria a distribuição do filme e trabalhando de maneira minuciosa para produzir cenas que sugerissem as ideias mais agressivas, sem de fato mostrá-las, como a famosa cena do chuveiro, que se tornaria um marco cinematográfico.
O desenvolvimento desta biografia consegue apresentar os bastidores de uma grande obra sem cair no fetichismo da curiosidade de revelar a história por trás da história. Sustenta-se principalmente pela composição das personagens, com Anthony Hopkins incorporando o diretor com pesada maquiagem, desafiando a imagem de um homem genial o tempo todo, também carente de atenção e estranhamente encantado por suas atrizes. E Helen Mirren sempre em atuações pontuais como a esposa porto seguro que compreende as limitações do marido sem nunca deixar de amá-lo.
Foi um dos filmes mais grandiosos da carreira de Hitchcock e sua composição tornou-se exemplo para outros filmes que viriam. Nesse longa biográfico com direta homenagem a ele, com maquiagem indicada ao Oscar, a trama mistura-se à história do cinema para apontar como uma lenda se transforma em lenda.
O roteiro foi baseado no livro Alfred Hitchcock e Os Bastidores de Psicose de Stephen Rebello, lançado no país pela Intrínseca, com tradução de Rogério Durst (Clique aqui para comprar). A história do diretor também gerou uma produção da HBO Films com a BBC, intitulada The Girl.