Resenha | São Jorge: A Última Batalha – Volume II
Continuando o argumento começado com Soldado Do Império, Danilo Beyruth prossegue contando a história do guerreiro romano, canonizado anos depois, mostrando uma faceta de Jorge que é mais condizente com o panorama histórico, mas ainda mergulhado em uma aura mítica. Já no começo, no capítulo Edito, é conclamada em Roma a perseguição e proibição da fé cristã, sob pena de torturas e aprisionamento daqueles que a professam.
Isolado, Jorge acorda em meio a uma condição difícil, sem suprimentos e necessitando de reforços de seus colegas de exército. Ao tentar chegar a alguma área urbana, ele se mune dos restos de proteção e armamento de um centurião e atravessa um rio, para, enfim, combater o réptil magnânimo visto no volume anterior. O lápis de Beyruth mostra cenas ainda mais interessantes graficamente, com uma violência atroz e um combate sangrento, com ângulos dignos dos melhores filmes de ação em tempos medievais, lembrando os bons momentos do clássico de Mel Gibson Coração Valente, e Gladiador de Ridley Scott, o que denota uma conexão sólida com espécimes recentes da cultura pop.
Apesar de uma estratégia tática ímpar e de um minucioso trato com a lança e a espada, Jorge sofre para derrotar o rival animalesco, figura nada fácil de derrubar, situação agravada com a aproximação de uma menina camponesa que, indefesa, seria presa fácil para a criatura. A manobra para deter seu rival exibe um herói em ótima forma e de inteligência plena, que consegue administrar os seus defeitos pessoais e os pontos fracos de seu oponente, muito mais poderoso à primeira vista.
As rugas da pele de Jorge representam não só sua experiência e sua idade, mas também o peso de anos de batalhas à frente do exército imperial, que recebe uma ingratidão mórbida por parte de seus antigos mandatários. Sua postura de respeito com seus pseudoinimigos é retribuída de modo baixo, muito por causa de sua postura contestatória, fato sempre visto com maus olhos por parte dos poderosos, e piorada em tempos de tirania. Sua recepção após a longa viagem é de desonra, sendo quase levado à força por parte dos homens que defendeu após a estadia no Egito. Estafado e sentindo-se maculado, Jorge se entrega diretamente ao julgamento do imperador, não tanto por ter sua fé desafiada, mas magoado pelo profundo desrespeito que sofria.
Em cárcere, Jorge olha para dentro de si e começa a ter visões pseudoespirituais, que, graças à ambiguidade do roteiro, permitem pensar que poderiam ser tanto um elemento espiritual, encarando seus adversários do passado, quanto uma reflexão que toma a forma das criaturas que derrotou, como avatares das dúvidas relativas à sua crença e a teimosia de se manter fiel aos próprios conceitos. Naquele tempo, o cristianismo era a alternativa ética mais plausível até então, invertendo o paradigma de exclusão por parte dos protestantes no ocidente, provando que a justiça pode mudar de lado ao longo da história.
O paralelo com a tentação de Jesus no Getsêmani, na noite anterior à crucificação, ocorre também com Jorge. Até a cena de julgamento, e a sentença negativa, é comum aos dois heróis da igreja, tendo como defesa o ideal da justiça e da verdade. Jorge entrega o seu corpo como sacrifício, indobrável ante as injustiças praticadas pelo império, medindo sua culpa por ter ceifado tantas vidas e calculando que o momento de perecer era válido. As escoriações e cicatrizes servem como medalhas de muitas batalhas conquistadas e de muitas glórias alcançadas em vida, gerando, através da moça que ele salvou, uma devoção mundial, a começar pela Capadócia, mostrada no epílogo, e uma surpresa impressionante que comprova seus poderes “divinais” ao trazer de volta o dom da fala a antes moça muda. Danilo Beyruth consegue equilibrar bem os momentos históricos com desenhos inspiradíssimos, que ajudam a mitificar ainda mais seu biografado, mesmo sem lançar mão de aspectos fantásticos em sua verossímil história.