Crítica | O Universo Graciliano
Intentando resgatar a memória de um notável brasileiro, Sylvio Back se aventura pela trajetória panorâmica do autor Graciliano Ramos, elevando a carreira e visão de mundo do alagoano ao patamar cósmico, ao apresentar seu O Universo Graciliano, de Sylvio Back. Não à toa, o primeiro personagem flagrado em cena é Oscar Niemeyer, cujos desígnios políticos eram muito semelhantes aos ideais sociais do escritor, transmitindo a mensagem antes mesmo do preâmbulo.
A câmera invade a intimidade dos que depõem, com closes fechadíssimos, expondo pele e rugas -, defeitos que tornam cada um dos participantes ainda mais humano. Com a trêmula câmera, comum ao movimento de quem registra, sem modificação estética, a obra faz do ofício um paralelo com a carreira e o texto de Ramos, o que já havia sido realizado anteriormente por Nelson Pereira dos Santos em seus Vidas Secas e Memórias do Cárcere.
Em cada palavra da parte dos convidados, nota-se o destaque que Graciliano dava ao socialismo e à crença de que a revolução soviética seria a resposta para todos os males sociais, algo representado em suas obras pelo árido deserto nordestino, onde as condições paupérrimas impediam que qualquer coisa se proliferasse. Como principal motivador desse decréscimo de vida, a condição de supervalorização do capital. Voraz leitor e estudante das condições econômicas, Graciliano batizou de Lênin um de seus filhos, homenageando o homem que, segundo seu pensamento, conseguiu se aproximar mais do pragmatismo recorrente de Karl Marx.
A verve política de Ramos é bastante focada, especialmente em seu ingresso no PCB (Partido Comunista Brasileiro) junto a outros tantos ilustres, como Jorge Amado, Cândido Portinari, Niemeyer, além de outros autores, intelectuais e proletários. Sua participação aconteceu desde a inspiração a Luis Carlos Prestes até o fomento à entrada de escritores mais moços para que adentrassem as fileiras do grêmio político. As diretrizes eram levadas a sério, ipsis literis na maioria das vezes, seguidas como em uma seita onde nada se destaca. Em determinado ponto, o documentário de Back envolve tanto a figura de Graciliano quanto os efeitos do socialismo sobre toda uma geração de pensadores brasileiros, com ele incluso, claro.
A edição de Mariana Fumo e a fotografia de Erick Mammoccio ajudam a transcender os formatos comuns ao gênero documental, mesmo levando-se em conta os novos modos de registrar os fundamentos biográficos. A linguagem enquadra uma visão fidedigna, resgatando dos entrevistados detalhes privados do personagem, humanizando-o de um modo pragmático, mas bem distante da literatura propagandista e panfletária. Revela-se uma persona repleta de nuances, com uma multiplicidade de pensamento aberto, e a quebra de rigidez típica de quem pensava o comunismo dentro do partido, sendo uma voz dissonante que visava analisar a estrutura do Brasil, adaptando o modo de governo aos anseios e necessidades do povo.
O sertão era o cenário das histórias de Graciliano por exibir uma dura realidade, pessimista em essência, por conter na região o resumo das necessidades básicas do brasileiro às quais eram relegadas pela disparidade social, que na prática resultava em fome, desnutrição e miséria. Apesar da questão tender a ser ignorada por teóricos, graças à quantidade exorbitante de burocracia que tomou grande parte da esquerda, tais anseios se associam naturalmente ao pensamento básico socialista. A escolha de Back em retratar esta faceta de Graciliano Ramos não só humaniza a figura mítica como também mostra o engajamento e alma do artista e do homem por trás da grandíssima obra.