Resenha | A Vida Secreta de Londres
Em paralelo ao reconhecimento mundial, destacado pela tradição histórica, bem como em icônicas imagens como o relógio Big Ben e diversos outros monumentos, a cidade de Londres também possui uma faceta comum em que o simples e o prosaico se apresentam diariamente. Além do sucesso dos espaços turísticos e das aparições da Rainha, a capital da Inglaterra também possui suas entranhas, os vícios e a sujeira que complementam o esplendor. É essa observação natural sobre a cidade o tema central de A Vida Secreta de Londres lançado pela Editora Veneta.
Organizado por Oscar Zarate, quadrinista argentino que reside na cidade há mais de 40 anos, a obra reúne grandes artistas contemporâneos explorando as particularidades de Londres em uma espécie de guia alternativo da cidade. Ao todo, 24 artistas – entre eles Alan Moore, Neil Gaiman, Dave McKean, Woodrow Phoenix e Iain Sinclair – produzem narrativas sobre bairros londrinos em uma compilação que reúne diversas formas artísticas como quadrinhos, poema e prosa.
Mesmo compartilhando um tema em comum, é perceptível a diversidade narrativa. Além da composição exposta em diferentes formas artísticas, as abordagens narrativas se alinham com uma grande cidade, formada por seres distintos, cada um percebendo e observando o local que o cerca de maneira singular. Como a análise parte de moradores da cidade, a visão é mais crua e caótica do que se vê pelos batidos cartões-postais.
Tramas policiais se destacam abordando uma cidade sem filtro em que o desenvolvimento aquebranta parte da alma de seus moradores. A beleza da cidade é vista a partir de seus estilhaços, da dor e do sangue de suas ruas. Em certas narrativas, a sanidade é definida pela própria arte. Em outras, a crueldade parece uma tônica constante do caos. Dentre os nomes mais graúdos da coletânea, Gaiman apresenta uma história que introduziria dois personagens do livro Coisas Frágeis. Moore demonstra talento em frontes diversas colaborando em HQ, prosa e poesia. Mesmo que tais nomes consagrem a edição e chamem o público, é interessante descobrir novos autores como Alexei Sayle, Chris Webster, Carl Flint e Carol Swain, autores das melhores histórias de acordo com a preferência desse crítico.
A edição da Veneta segue o tamanho padrão de graphic-novels lançadas no mercado, ou seja, em um formato um pouco maior que os encadernados em formato americano. O escritor Rogério de Campos assina um excelente prefácio sobre a urbanização como forma de expressão artística, bem como a edição apresenta notas explicativas sobre algumas histórias, apontando locais e referências.
A Vida Secreta de Londres desenvolve um mapeamento alternativo de Londres, sem nenhum filtro que esconda o sangue de suas entranhas. Talvez melhor do que a leitura seja se aventurar pelos locais descritos nas narrativas, reconhecendo cada espaço disforme que, mesmo oculto das fotos famosas, compõe uma das cidades mais famosas do mundo.
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