Dirigido mais uma vez por Paul McGuigan, o season finale da primeira temporada começa mostrando pela primeira vez uma menção a escrita de Watson, fato que obviamente irrita Sherlock e o deixa possesso, piorando o seu estado de tédio absoluto. O herói usa a analogia da comparação entre a sua mente e um sótão de uma forma mais atual, referindo-se ao seu sistema nervoso como semelhante a um HD. A Strand Magazine vira um site, substituído pelo blog onde Watson publica os contos.
Baseado a priori em Os Planos de Bruce Partington, em virtude dos tiros proferidos por Sherlock à parede do apartamento, ao tédio modorrento e claro, a presença de Mycroft Holmes – feito pelo showrunner Mark Gatiss – tem em si algumas reminiscências de Um Estudo em Vermelho e Um Escândalo na Bohemia, em especial pela ótima piada a respeito do desconhecimento astronômico do Detetive, que declara não saber que a Terra girava em torno do sol. Sherlock ainda utiliza outra fala canônica modificada, chamando Watson para a aventura, afirmando jocosamente: “ficaria perdido sem o meu blogger”. O roteiro contém em si também elementos de As Cinco Sementes de Laranja. O antagonista misterioso é um homem bomba, mas que obriga os reféns a serem os hospedeiros explosivos.
O comportamento de Sherlock é absolutamente anti-social. Quando concentrado, qualquer inferência por parte de outro ser humano é prontamente ignorada, como se a pessoa sequer existisse. A falta de tato ao expor a Molly Hooper (Louise Beasley) que seu parceiro é gay é uma ótima demonstração de seus dotes cínicos. O blog The Science of Deduction atrai ao seu administrador uma grande atenção por parte da “organização incógnita”, primeiro em Study in Pink, e também neste episódio. A encenação do Detetive é de uma desfaçatez muito particular, explorado nesta produção como nunca fora antes.
Os adesivos de nicotina mostram que Holmes parece ter se conscientizado dos malefícios de seus vícios, ainda que a cocaína não tenha sido uma possibilidade totalmente descartada – na verdade é até sugerido algo no piloto, mas nada que comprove o problema. Watson permanece sempre alguns passos atrás do Detetive, suas conclusões são interessantes, mas nem de longe atingem a perspicácia das resoluções do protagonista.
Sherlock parece ter prazer em explanar a melancolia alheia, seja esta da ordem que for, inclusive as que envolvem sentimentos intensos, como perdas familiares – a busca pela solução do mistério proposta supera até o bem-estar da sociedade em geral, para ele a civilização é entediante e o crime chama mais atenção do que a vida em si.
O desespero das perseguições elevam o suspense a enésima potência. Moriarty é mesmo o maior comandante de crimes do Reino Unido, pondo na tela pela primeira vez de fato, toda a influência maléfica anunciada em O Problema Final – o êxito nessa demonstração é inédito até esta produção, e o feito é único, fazendo da série talvez a mais emblemática das encarnações audiovisuais do mito de Conan Doyle. Jim Moriarty, feito pelo afetado e tresloucado Andrew Scott, é o gêmeo mal de Sherlock, um consultor do crime, e em um plot twist, revela a fonte principal do roteiro: O Problema Final. A teatralidade do seu personagem o torna tão carismático quanto o herói, e o desfecho deixa em suspenso o destino dos personagens, trazendo uma enorme expectativa para si.