Durante o verão ardente de um isolado vilarejo rural, denominado Sotoba, tem inicio uma serie de inexplicáveis mortes; simultaneamente uma misteriosa família se muda para os arredores. Isto é o básico, e, a meu ver, tudo o que precisa ser dito a leigos sobre o enredo de Shiki, anime baseado na serie de light novels de Ono Fuyumi (mesmo autor dos famosos Juuni Kokuki e Ghost Hunt), exibido no cultuado bloco noitaminA, segmento mais abrangente e ousado da TV Fuji, lar dos conhecidos e aclamados Honey & Clover, Nodame Cantabile, Higashi no Eden, The Tatami Galaxy e tantos outros. Exibido durante o segundo semestre de 2010, com um total de 22 episódios, Shiki é, com seu design e trama diferenciados, um dos melhores animes de terror de uma escassa leva.
Como dito acima, trata-se, em essência, de uma história de terror. E uma das com melhor execução no formato de serie linear vista nos últimos anos. Mas não se enganem, pois é justamente por não se apoiar apenas no horror, e, como shonen – serie para garotos, um publico, por definição, “menos maduro” – que é, dar espaço a elementos com maior apelo à massa, como investigação e ação, que Shiki é tido como exceção, e não regra. Mostrando desde sempre um contraste entre a realidade inadmissível e a fantasia aceitável, sobrenatural e senso comum, exposto através de personagens palpáveis, que se assemelham a pessoas reais em seu egoísmo, cinismo, fraqueza ou seja qual for o defeito apresentado, o anime obtém êxito em despertar o interesse do espectador sem utilizar de exposição desnecessária ou outros subterfúgios a fim de fisgar a audiência.
A princípio, como tantos outros, Shiki mostra-se um tanto o quanto bobo, focado em assuntos e personagens triviais, que, mesmo envoltos no eminente clima de suspense, passam pouco do que a serie virá a se tornar. Tal artificio, que pode afastar espectadores desavisados e menos persistentes, é puramente proposital, tendo como função construir o pequeno cenário no qual a história se desenrolará. Apresentando a realidade na qual os mais distintos tipos convivem, de forma com que criemos uma opinião, positiva ou não, para com cada um deles, a vagarosa, porém muitíssimo bem conduzida trama progride de forma crescente e exemplar.
Tendo a morte como ponto de fuga, como tipicamente ocorre em histórias do gênero, o anime propõe reflexões mais maduras do que a maioria espera, como as tão recorrentes duvidas a respeito de vida e morte, correto e incorreto. Entretanto, em momento algum é feito qualquer tipo de julgamento de valores. Não é uma história sobre o bem contra o mau, tanto que, em mais de um momento, aquilo que considerávamos certo inverte-se por completo, e os personagens pelos quais temos grande apreço ou aversão nos surpreendem de forma drástica. Brincando com a capacidade de aceitação e adaptação do publico, o texto deixa claro que morte e desgraça podem chegar – e comumente chegam – a qualquer um, independentemente de sua índole
Shiki trabalha com planos entrecortados, e o faz muito bem, construindo assim uma narrativa repleta de detalhes e pontos de vista diversos, que requer atenção para ser contemplada em sua totalidade. Abusando de subjetivismo e, em certos momentos, de metalinguagem; incitando o espectador a olhar para a floresta e não para as árvores; e não subestimando seu intelecto, capacidade de interpretação e aceitação, o anime apresenta, de modo geral, uma excelente trama, que, embalada pelas belas composições de Yasuharu Takanashi (o mesmo de Jigoku Shoujo, Itazura na Kiss e Naruto) no que é, na minha opinião, seu melhor trabalho, não falha em entregar a tensão e desconforto característicos de qualquer boa história de suspense e terror. Shiki é um suspiro sazonal de um gênero depreciado e carente; um dos que merece atenção.
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Texto de autoria de Alexandre “Noots” Oliveira.
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