Ele surge do nada, é sábio, está sempre pronto pra nos ensinar e muitas vezes é o Morgan Freeman.
Sujeito perdido na vida, enfrentando dificuldades em se adaptar à um novo mundo, novo poder, novas responsabilidades… Eis então que surge um homem misterioso e sem passado, geralmente um faxineiro, zelador, jardineiro… Ele é surpreendentemente sábio e nobre, dono de habilidades muito diferentes daquelas que aparenta ter e sempre passa despercebido aos olhos de todos, menos do nosso herói. Já viu essa história antes? Pois é, ele é o “Negro Místico”(Tchan-tchan, tchan tcham).
Após o fim da luta pelos direitos civis nos EUA e a ascensão de negros interpretando figuras públicas (Malcolm-X, Mandela), como uma forma de encarar essas mudanças, a indústria do cinema criou o conceito do “Negro Místico”, ou “Negro Mágico”. Trata-se de um personagem inserido na trama, e que tem como função guiar o protagonista em sua jornada. Ele não precisa ser negro, pode ser um nativo, negro, latino, ou qualquer outra minoria étnica e cultural, o importante é o contraste do herói branco incapaz, e o minoritário capaz; e a inserção do herói numa nova cultura, mais nobre e eficaz da qual mais pra frente ele fará parte. O Negro Místico tem algumas variações:
Garota Alternativa
Garota de vida sem regras que chega para mudar a vida do personagem preso em suas próprias regras, inicialmente prejudicando a vida como ele a entende, mas então, mudando sua realidade positivamente.
EX:
- Clementine (Kate Winslet) – Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças;
- Summer (Zooey Deschannel) – 500 Dias Com Ela e Sim, Senhor;
- Polly (Jennifer Aniston) – Quero Ficar com Polly;
- Ramona Flowers (Mary Elizabeth Winstead) – Scott Pilgrim Contra o Mundo.
Asiático Místico (Mestre)
Na representação americana da cultura oriental, na qual asiáticos são geralmente mostrados como pessoas grosseiras e ao mesmo tempo nobres, o Asiático Místico é esse preconceito mostrado de forma positiva. Geralmente faz o herói passar por provações humilhantes para, então, aprender por meio da própria experiência e do sacrifício a ser mais nobre e capaz.
Ex:
- Senhor Miyagi (Pat Morita) – Karatê Kid;
- Mestre Kan – Kung Fu Panda;
- Senzo Tanaka – O Grande Dragão Branco;
- Pai Mei – Kill Bill.
Veja que todos esses exemplos são uma generalização do “Negro Místico”, e apenas fazem pegar preconceitos e colocá-los na tela de forma positiva. A mulher, geralmente retratada como imatura, irresponsável e descuidada, aparece como sendo uma pessoa livre. O asiático considerado ríspido, é mostrado como um pai rigoroso, e etc.
Estes são recursos artísticos que servem como atalho para inserir uma certa moralidade sem ocupar muito tempo de tela, tanto é que o Místico geralmente não tem passado e surge do nada, é quase uma cota social artística, pois ainda é raro encontrar negros como os heróis, o que nos leva a outros conceitos como:
O Negro Melhor Amigo
Melhor amigo do mocinho, geralmente de minoria, fiel, de modo a nunca esbarrar nos planos do protagonista e está sempre preparado para segui-lo em planos malucos. Geralmente, seu papel quase sempre gira em torno do bem-estar do protagonista (Assim como nos demais exemplos, ele não precisa ser negro, e, na versão feminina, geralmente a melhor amiga não é tão atraente quanto a protagonista).
EX:
- Bubba (Mykelti Williamson) – Forrest Gump;
- Pete Ross (Sam Jones III)- Smallville.
Uma inversão interessante deste papel é em Independence Day, em que temos Jeff Goldblum como o “amigo negro” de Will Smith.
Exemplos do Negro Místico
Morgan Freeman em:
- Lucius Fox – trilogia O Cavaleiro das Trevas;
- Nelson Mandela especificamente em Invictus;
- Eddie Dupris – Menina de Ouro;
- Deus – O Todo Poderoso;
- Azeem – Robin Hood: O Príncipe dos Ladrões;
- Hoke Colburn – Conduzindo Miss Daisy;
- Detetive William Somerset – Se7en – Os Sete Crimes Capitais;
- O prisioneiro – Um Sonho de Liberdade.
Além do Morgan Freeman:
- John Coffey (Michael Clarck Duncan) – Á Espera de um Milagre;
- Morpheus (Laurence Fishburne) – Matrix, apenas no começo, pois sua trajetória se altera durante o filme;
- Hitch (Will Smith) – Hitch: Conselheiro Amoroso, novamente uma versão do conceito, pois ele é também o protagonista;
- Rafiki – O Rei Leão;
- Dr. King Schultz (Christoph Waltz) – Django Livre; invertendo totalmente este papel, e tornando o personagem de cultura maioritária o que antes era renegado aos personagens étnicos (pensem agora sobre as acusações de racismo que o filme sofre);
- Michael Jordan – Space Jam;
- Omar Sy – Intocáveis.
Como veem, temos Morgan Freeman como campeão do personagem ao lado de Stephen King, que usa este conceito diversas vezes em seus livros, como em A Torre Negra, Um Sonho de Liberdade, a Próprio “À Espera de Um Milagre” entre outros. E Will Smith, um dos pouco a conseguir subverter a situação e, também ser o protagonista.
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Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.