A adaptação do romance de Charles Portis feita pelos irmãos Coen talvez seja o trabalho menos autoral da dupla de cineastas, pois não tem os traços característicos mais marcantes de suas produções, como o humor negro e a complicada cadeia de eventos que acomete e dificulta a vida dos protagonistas. Porém, não é menos significativa por isso. Ao optar por uma ótica e narrativa mais diretas, temos contato com o outro lado, também talentoso, dos diretores.
A história se inicia com a órfã de pai extremamente inteligente, educada e perspicaz Mattie Ross (Hailee Steinfeld) em busca de alguém para trazer Tom Chaney (Josh Brolin), o assassino de seu pai, à justiça. Para isso, tenta contratar o caçador de recompensas Rooster Cogburn (Jeff Bridges), que aceita o serviço a contragosto. Também se junta ao bando o Texas Ranger LaBoeuf (Matt Damon), que há anos procura Chaney por um assassinato de um senador cometido no Texas.
Bridges compõe um personagem peculiar, pois ao mesmo tempo em que se mostra um bêbado e em decadência, mostra um faro apurado ao ser colocado no encalço de seu alvo. Misturando um sotaque carregado com a fala confusa característica dos alcoólatras, Bridges cativa o espectador ao flertar com um típico anti-herói, que, apesar de antagonizar a protagonista, no final faz de tudo para salvá-la.
A protagonista Mattie Ross também tem em sua pele a atuação impressionante da novata Hailee Steinfeld, que logo de início convence o espectador através da obstinação de sua personagem – que renegocia os pôneis de seu falecido pai – em um diálogo rico, rápido e extremamente inteligente, que lembra o estilo clássico dos Coen, mas em um tom mais sóbrio, condizente com a proposta do filme. A própria existência de uma adolescente, forte e dona de seu destino, em um contexto como o do Velho Oeste oitocentista, garante uma profundidade maior a Mattie, fartamente explorada tanto pelas situações em que é colocada como pela amplitude dramática de Steinfeld.
Matt Damon dá a LaBoeuf a arrogância típica do texano, que traz um sentimento maior para com o seu estado do que para com o seu país, causando uma antipatia em Cogburn. Porém, após tantas disputas e certas trapalhadas, como morder a língua ao ser arrastado por um cavalo, LaBoeuf mostra um lado fraternal para Ross, como se estivesse tentando protegê-la tanto de Cogburn quanto do restante do mundo.
Juntando três personagens tão diferentes com um mesmo objetivo, a dinâmica da narrativa se estabelece exatamente na evolução de suas relações e como todos aprendem mais sobre o outro, si próprios e sobre o mundo, especialmente Mattie, que acaba por enfrentar e depois matar Chaney sozinha, enquanto Cogburn protagoniza uma bela e épica cena de tiroteio contra o grupo de “Lucky” Ned Pepper (Barry Pepper), sendo ajudado depois por LaBoeuf em um tiro certeiro, o que restabelece sua confiança como atirador antes abalada justamente por Cogburn. Interessante também é a composição de Chaney, mostrado como um bandido inferior, submetido às ordens do outro, e que reage impulsivamente e de forma nem sempre inteligente às situações, contrariando a expectativa criada sobre um grande mestre do crime que engana as autoridades há meses.
Tecnicamente falando, a produção é um primor em todos os aspectos. A fotografia de Roger Deakins traz os mais belos planos do Oeste, nos lembrando a todo instante das razões pelas quais o gênero conquistou tantos espectadores com o passar das décadas. O figurino, o design de produção e a maquiagem passam toda a brutalidade suja do Oeste, responsável por transformar homens em bestas que, depois de algumas décadas, seriam alçados à categoria de heróis e desbravadores do país.
Bravura Indômita cativa, então, por sua seriedade e sobriedade, com toques de um leve humor, e por seus personagens que agem, reagem e crescem frente aos obstáculos em seus caminhos, criando-se um vínculo próprio entre eles. Vínculo esse que é friamente subvertido na cena final, onde a já crescida Mattie Ross procura Cogburn depois de 25 anos para prestar uma homenagem a ele e o encontra morto. Essa atmosfera áspera e melancólica do Oeste, que se reflete nas relações entre seus habitantes, é transferida para o filme, o que dá a ele uma carga emocional ainda mais intensa, já que poucos cineastas têm a sensibilidade de retratar o sul dos EUA com toda a complexidade social e cultural da região sem cair em clichês e estereótipos. E essa produção traz exatamente isso: uma nova releitura sobre uma história bem conhecida mas que renova o combalido gênero western através de um revigorante sopro de qualidade.
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Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.
Eu curti muito esse filme. Acho que o Bridges (um dos meu atores favoritos), tem uma atuação memorável.
Eu tb. Tinha visto no cinema e na revisão melhorou demais…