Neil Blomkamp parece não querer sair do gueto. O cineasta utiliza uma ambientação bastante parecida com a de Distrito 9, especialmente no aspecto de favela, só que de uma forma mais “globalizada”, pois a comunidade carente em Elysium não se restringe somente a periferia de Joanesburgo, mas sim ao mundo todo, transformando a “aldeia global” num autêntico puxadinho sem reboco.
A premissa tem em sua base um conceito bastante semelhante ao mostrado por Phillip K. Dick em Caçador de Androides – e que foi suprimido no filme de Ridley Scott. Como no conto, os ricos e aptos vivem fora da Terra, por esta não comportar mais a capacidade de estabelecer-se uma vida plena e saudável. A trama se passa em 2154 num futuro sujo e pessimista. A comparação visual com Mad Max, e seus filhotes bastardos, é inevitável, cenários desertos em meio ao que antes eram grandes metrópoles – e tal característica até ajuda a gerar empatia pela história contada.
Polícia automatizada, agente da condicional robótico e repressor, sarcasmo como ato digno de punição, tudo isso para demonstrar a decadência da humanidade e também a inexistente compreensão às necessidades do próximo. A empatia está fora de cogitação, há uma valorização enorme do bem-estar puramente egoísta, sem importar com o social. A sociedade retratada sofre um controle coercitivo e de mão de ferro, que protege os ricos e estabelece normas rígidas aos pobres, punindo severamente os que não as cumprem. Temas como o combate à imigração, trabalho em regime semi-escravo e sem as mínimas condições de saneamento também são ventilados.
O roteiro de Blomkamp é sem rodeios, pontual e preciso, isso é bom até certo ponto, até que as resoluções tornem-se coisas rápidas e fáceis de resolver, algumas até piegas. A construção dos personagens deixa a desejar. A atuação de Matt Damon é equivocada, mal dá para acreditar em seu drama e seu esforço dentro do emprego para fugir da marginalidade. Max, seu personagem, não parece o bandido arrependido que o script exige, e a ligação dele com Frey – Alice Braga na atuação mais lúcida do filme – soa forçada, assim como o laço afetivo automático de Max pela filha doente de seu antigo amor. Wagner Moura está histriônico e caricato, mas não compromete. Jodie Foster faz a encarnação da mulher autoritária, fria e insensível, mas que ao final parece resgatar um pouco de sua humanidade, recusando a ajuda da enfermeira, como que se punindo por seus atos errados. O filme trabalha com arquétipos demais, e o tema exigia algo mais profundo. O destaque vai mesmo para Kruger – Sharlto Copley – que faz um Chuck Norris rejuvenescido, que é até carismático, mas em momento justifica a virada que ele deu no final.
Da terça parte para o final, o roteiro passa a apresentar um sem número de coincidências desnecessárias. Lembra muito os erros de Prometheus, com um ótimo início e um final aquém das expectativas, mas não tão desastroso quanto o primeiro. Elysium tem um amontoado de coisas boas, mas que peca pela alta previsibilidade, problema que passa longe do excelente trabalho anterior do realizador.
Também esperava bem mais…
Acho que foi uma das maiores decepções do ano. Piorou aquilo que foi o mais fraco em Distrito 9 (que pra mim, aliás, foi meio supervalorizado pela galera quando saiu), que foi idealizar um cenário instigante e parecer não saber ao certo QUAL HISTÓRIA CONTAR se passado nele. Aqui em Elysium tinha coisa pra caralho pra ser explorada no sentido das desigualdades sociais, por exemplo o trabalho quase escravo dos de baixo sustentando a mordomia dos de cima (que foi rapidamente citado no início). Mas o roteiro se limitou a dizer que TUDO era só pelas máquinas mágicas de cura, como se isso fosse a única coisa de errado naquele mundo. Fora os tradicionais problemas de correria, coisas mal explicadas, personagens sem motivação definida, pseudo-ciência além do tolerável, etc.
Já leu o mangá Gunn?
O lance de Jeru e Zalem, né? 😉
Confesso que lembro pouco, faz alguns consideráveis anos que li, mas achava foda.
Exato.
Cara, dizer que foi “inspirado” no mangá é pouco. É tipo Jogos Vorazes / Battle Royale.
Até consegui notar boa parte dos aspectos mencionados de forma negativa na resenha, mas mesmo lendo duas vezes, ainda não consigo enxergar o parâmetro usado para expressa-los como “defeitos”. O filme, por mais piegas que pareça em muitos pontos, por mais previsível que seja para aqueles que têm interesse por cinema, ainda consegue, na minha opinião, discorrer através da ficção simples e despretensiosa sobre um tema extremamente pertinente. O roteiro claramente não carrega nada de original, mas o propósito permanece válido e bem executado. É divertido. Quem gosta de cinema precisa também saber se desprender das amarras excessivamente racionais e críticas antes de adentrar um blockbuster, Vale a pena.