A introdução escolhida para este I Heart Huckabees é um arroubo de insatisfação do ativista ambiental e poeta frustrado Albert Markovski, personagem de Jason Schwartzman, inconformado com a transformação que o pântano vizinho a si sofrera, sendo praticamente dizimado, sobrando uma única rocha – sua insignificância é tão grande que chega a dar pena e não simpatizar com o personagem é praticamente impossível.
Mais uma vez David O. Russell escolhe um protagonista neurótico e inseguro para ser o herói de sua jornada, mostrando o homem pequeno diante do destino, buscando mais uma vez uma boa razão para existir. Diferente de Procurando Encrenca, onde o personagem principal buscava sua origem, procurando a raiz de sua árvore genealógica, Albert procura a outra ponta de sua vida, tentando entender onde chegaria. A película é ainda mais idílica e surreal que a anterior do realizador, mostrando uma organização que investiga as vicissitudes da vida com uma abordagem lúdica e um tanto nonsense flertando com surrealismo, através de um transe meditativo que eleva a psiquê do paciente a um estágio em que este desconstrói as figuras importantes de sua vida para encontrar a razão de seus problemas.
A personagem de Naomi Watts é a prova da obsolescência programada do homem dentro do sistema de extremo capitalismo. Ela quase nunca é chamada por seu nome (Dawn Campbell), mas sim por uma alcunha – a voz da Huckabees – mostrando uma demasiada falta de identidade, praticamente inexistente. Seu clamor por atenção é legítimo, já que atrás do sorriso, do corpo perfeito, sem rugas ou imperfeições esconde-se uma alma aflita que vê se avizinhar a velhice e a perda do que a distingue da multidão, sem falar que sua garota propaganda em depressão é algo genial por si só.
Huckabees fala do mundo corporativo, da impessoalidade que um lugar repleto de empresas que só visam o lucro e de como os homens vivem neste ambiente, perdendo sua individualidade e sendo tratados por meio de estereótipos. Mesmo os ramos que deveriam não se pautar nisto sofrem com competições mil por clientes que deveriam ser únicos e não estereotipados. Artifícios como máquinas de sucção de insegurança e repositores de bons climas mostram o quão mecânico tornou-se o trabalho dos Jaffes. Uma saída plausível seria a junção de Tommy Corn (Mark Wahlberg) a Albert, a fim de que ambos conseguissem a transcendental mudança de perspectiva – outro clichê psicológico de solução por meio de apoio mútuo, associando duas almas igualmente perturbadas e alinhadas com pensamentos pró-ecológicos e até alinhados a esquerda, necessariamente avessos aos pilares de tradição, família e propriedade. Mesmo com esta jogada de sucesso pretensamente garantido, a união não garante lograr êxito, visto que o discurso dos dois é agressivo e não sabe se adequar aos adeptos mais conservadores – a crítica é clara ao problema comum das “minorias”, que tentam defender os marginalizados sem se fazer entender aos incautos.
A linha de raciocínio dos investigadores do inconsciente defendida por Vivian (Lily Tomlin) e Bernard (Dustin Hoffman) é muito pautada no otimismo, enquanto para Caterine Vauben (Isabelle Huppert), a vida é um conjunto de eventos tragicômicos organizados ao acaso, a disputa é quase como uma luta entre sofistas e niilistas pela atenção do indivíduo à procura do “algo”. Tal embate deixa Albert e Tommy confusos, e cada um embarca de forma diversa na viagem proposta pelos analistas.
Albert precisa ver o seu nêmese Brad (Jude Law) no momento mais decadente para finalmente ter sua epifania – que serve para si e também para reflexão dos terapeutas rivais. A crise do ser e a autocomiseração são unidas, o ponto de coalizão, o lugar onde os diferentes podem achar suas semelhanças, perceber que não há tanta distinção entre seus estados de espíritos e tornarem-se um. O roteiro de O. Russel e Jeff Baena pode e deve gerar múltiplas interpretações, e as ramificações destas são infinitas, mas a linha guia dele passa pelos incômodos inerentes a vida humana e como cada individuo tende a tratar disto, mesmo os descompensados e os mentalmente desequilibrados.