O Projeto Grindhouse de Tarantino/Rodriguez não foi um sucesso de público, mas conseguiu alavancar a feitura de um filme derivado de um de seus trailers fakes, que eram exibidos entre os episódios. Este Machete é um pastiche por completo, a começar pelo seu protagonista, o sexagenário e coadjuvante de inúmeros filmes de brucutu – e colaborador de quase toda a filmografia de Robert Rodriguez – Danny Trejo, numa clara alusão humorística aos heróis de ação e claro, com uma violência exageradíssima e repleta de testosterona.
O personagem principal é resignado, aparenta querer ser deixado em paz, escondendo dentro de si uma incômoda espera a um novo chamado à ventura – a oportunidade de retornar ao seu estado normal e à natureza de seus atos violentos. Seu código ético é incorruptível, busca justiça acima de tudo, mas não é seduzido pelo moralismo estúpido, e tem na vingança – por sua esposa morta – a grande motivação da sua vida. Mais clichê impossível, mas ainda assim, é bastante ousado.
Há uma discussão óbvia sobre o tratamento dado pelos americanos aos imigrantes ilegais, usando-se de arquétipos absurdamente caricatos e maniqueístas, mas que escancara através do absurdo idealizado uma realidade dura e cruel. O estrangeiro é demonizado, comparado a inimigos do Estado como Saddam Hussein, e são até alcunhados como terroristas pelos antagonistas do herói da jornada.
Mas é obvio que quem assiste Machete procura a plasticidade das mortes que Rodriguez sabe registrar como ninguém, e isso ocorre das mais variadas maneiras e formatos. Machete está acostumado a ser sabotado e sua recuperação dos ferimentos é praticamente automática, ele fica invisível debaixo de uma maca de enfermaria, o que faz crer que ele possua superpoderes. A cena do rapel de tripas tornou-se um clássico instantâneo na época e produz a mesma hilaridade hoje. As outras gags de humor também são muito bem feitas – o comercial de Osiris Amanpour (Tom Savini) são demais, aliás o personagem some da tela do nada, sem nenhuma preocupação com explicação. Há baseados mexicanos gigantes da espessura de charutos cubanos, as propagandas eleitorais do senador McLaughlin (De Niro), exaltando seu combate aos chicanos, comparando-os a pragas, o retorno com os personagens de Planeta Terror (o Doutor Felix e as gêmeas Electra e Elisa Avellan), os capangas arrependidos, com um discurso pró-imigrantes, os cortes rápidos em uma cena de Jessica Alba falando ao telefone imóvel, mas com a câmera mudando o ângulo a todo o momento, sem nenhum bom motivo aparente – tudo é pretexto para fazer piada, não dá para levar a sério um filme em momento nenhum.
O personagem de Jeff Fahey, Michael Booth, conta todos os detalhes dos seu planos, tem uma boca aberta conveniente especialmente quando está sendo filmado, fato que também é muito engraçado. A batalha final é uma farofada enorme, tem de tudo, gente com carrinho de sorvete, ambulância assassina, escrotos se redimindo e voltando-se “para o bem”, ataque aéreo de moto. Até o desfecho épico para o personagem de Steven Seagal é perfeito, pois resume a sua carreira de “sujeito invencível e intransponível”, sendo somente ele um adversário a altura de seu próprio desafio, mas que sucumbe diante do que é justo.
Atrás de toda essa capa de filme B, trash e de baixo custo com orçamento milionário, há um conteúdo forte de contestação. She de Michelle Rodriguez é um dos poucos personagens que se permitem ter um background decente. Suas motivações são nobres e óbvias, o que reforça ainda mais a escolha do roteiro por arquétipos prontos, montados para passar a ideia central. Ela veste a máscara de mentor e é um dos motivos de Machete reacender em si a vontade de agir a favor da justiça. Rodriguez – junto com Ethan Maniquis, também editor de Planeta Terror – traz um exemplar competente de exploitation e com uma temática presente em muitos dos seus filmes, a ode ao seu povo nativo e a valorização do imigrante ao território americano, em especial os mexicanos.