Mesmo depois da tragédia de Os Candidatos, resolvi ver outro filme do Will Ferrell. Dessa vez, O Âncora, que não poucas pessoas disseram que era bom. Realmente, é melhor que Os Candidatos, mas se só isso não diz muito, O Âncora falha em ter exatamente muitos dos elementos de que não gostei no anterior.
A ideia é excelente. Ferrell interpreta Ron Burgundy, um jornalista local de San Diego, famoso na cidade, juntamente com sua equipe, por comandar o jornal de liderança no horário, durante a machista década de 70, quando o movimento feminista começava a sair das universidades e dos protestos nas ruas para engrossar a luta diária das mulheres no dia a dia por melhores condições, igualdade e, principalmente, respeito e reconhecimento no ambiente de trabalho e na sociedade. Nesse aspecto o filme é primoroso, pois, se as mulheres reclamam de como são tratadas hoje, nessa época era absurdamente pior, e soa ridículo vermos hoje como os personagens da época as tratavam – mas não soa de modo algum irreal, o que transforma algumas situações engraçadas, mas aquele engraçado que incomoda, no bom sentido.
Também há a boa ridicularização do papel da mídia na sociedade, que sempre se desvia de histórias relevantes, mas que poderia desestabilizar o status quo para cobrir eventos com gatos fantasiados e partos de animais em zoológicos que são tratados como a maior notícia do mundo, sem a menor cerimônia. Além, é claro, de tirar um sarro do ego enorme de jornalistas da TV que se acham o centro do universo por terem 30 minutos diários de aparição.
No entanto, o outro lado, o do riso forçado, das esquetes fora de contexto e dos exageros, não me pegam. Ainda não entendo porque Steve Carrell é tratado a toda hora como gênio do humor, já que parece interpretar o mesmo personagem, do mesmo jeito, em todo filme, com as mesmas caras, bocas, frases e trejeitos. Sua única exceção parece ter sido no excelente Pequena Miss Sunshine, quando justamente saiu do seu estereótipo.
Do final não daria para esperarmos muito, nem sei se o filme deveria tentar algo além do desfecho onde inimigos fazem as pazes e resolve os conflitos nesse tipo de filme justamente pela proposta de satirizar o gênero, mas seria interessante ver uma elaboração mais inteligente do que essa.
Como resumo da obra, O Âncora é um filme redondo, que funciona para a plateia certa, mas cansa o espectador que exija algo a mais. Possui bons momentos, e deixa a profundidade que poderia alcançar ser atrapalhada pelo humor raso que tenta forçar a todo instante.
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Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.
“Como resumo da obra, O Âncora é um filme redondo, que funciona para a plateia certa, mas cansa o espectador que exija algo a mais.”
Primeiramente, não sei qual é sua intenção quando senta no sofá para assistir a um filme do Will Ferrel, mas se começou a assistir a um filme de comédia com esse “exigindo algo a mais” é porque suas intenções eram erradas desde o começo. Você não está vendo Lynch, Kurosawa ou Kubrick.
Tendo isso dito, os pontos positivos que você ressaltou sobre o filme (segundo e terceiro parágrafos) estão completamente certos e é exatamente por eles que o filme se torna uma comédia excelente e que se sobressai às comédias vazias, que não dizem nada. São pontos assim que fazem um filme de comédia ser um bom filme. Reitero que se você tava esperando algo ainda ALÉM disso, você estava vendo o filme errado e do gênero errado.
Outra crítica infundada sua vem como o Steve Carell, que é bem visto como comediante devido ao seu humor versátil e não à capacidade de atuação em um filme de comédia. Steve Carell em “Pequena Miss Sunshine” só provou que ele não é só um bom ator de comédia, mas é um bom ATOR como um todo, se sobressaindo em papéis que não seja pra serem engraçados. Inclusive recomendo que assista ao seriado “The Office”, em que Carell faz as mesmas caras e bocas e o humor continua sendo impecável. Embasado em sua crítica, Jim Carrey seria um péssimo ator, pois está sempre do mesmo jeito em todos as comédias que participa (com os mesmos trejeitos, caras e bocas), o que não é verdade, como podemos notar em “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”.
Concluindo, o que parece aqui é que você não gosta do estilo de humor proposto nos filmes do Will Ferrel (ou até mesmo do Steve Carell), e isso pra você é o suficiente para dizer que: “”seria interessante ver uma elaboração mais inteligente do que essa”.
Vou tratar seu texto como uma opinião pessoal sua do que uma crítica e daí fica tudo certo.
Abs.
Pra mim um filme, independentemente do gênero, tem que trazer algo que contribua para meu enriquecimento de alguma forma. Isso vale para a comédia mais besta ou para o filme mais cabeça.
Em momento algum comparei, ou mesmo cheguei perto de compará-lo com “Lynch, Kurosawa ou Kubrick”, mas posso compará-lo com qualquer coisa de humor, por exemplo. E dentro desse gênero, o filme deixa algo a desejar.
Sobre Carrell e Carrey, sim, ambos ficaram marcados pelas caras e bocas que faziam, e provaram serem bons atores depois. Mas pararam. Brilho eterno é de 2004. Pequena Miss Sunshine é de 2006. Acho que se você quisesse provar que um ator tem repertório, conseguiria dar mais exemplos, ou ao menos mais recentes.
Conheço o estilo de humor do Will Ferrell, e gostava de algumas coisas dele no SNL. Também adorei o “Mais Estranho que a Ficção” e “Os Outros Caras”, e gosto de alguns dos elementos deste filme (bem melhor que “O Candidato, por exemplo), mas a promessa é maior do que a entrega.
Essa sua forma de criticar o filme tem um nome e se chama “prepotência intelectual”.
Boa sorte em assistir a filmes de comédia e conseguir o seu “algo a mais”.
Querer sempre que uma obra rompa barreiras e fuja do lugar comum, e que uma comédia busque algo além do riso fácil, é prepotência?
Então tá né.
Não preciso de sorte não. Tá cheio de obras de qualidade por aí.
“Primeiramente, não sei qual é sua intenção quando senta no sofá para assistir a um filme do Will Ferrel, mas se começou a assistir a um filme de comédia com esse “exigindo algo a mais” é porque suas intenções eram erradas desde o começo. Você não está vendo Lynch, Kurosawa ou Kubrick.”
Primeiramente (agora eu), Pedro, você poderia me dizer em qual gênero se enquadra o filme Dr. Fantástico, do Kubrick?
Sim, esse aí mesmo que você pensou: comédia.
Pois bem, vou falar de mim, mas acredito que o Fábio deva concordar pelo menos em partes com o que eu vou dizer. Quando eu me sento no sofá para assistir a qualquer filme, de qualquer gênero, e aqui incluo também a comédia (e não me importa se ela tem o Will Ferrel ou o Peter Sellers), estou aberto o suficiente para que esse filme seja o filme da minha vida. Obviamente, todo mundo sabe que isso é muito difícil de ser alcançado e, por isso mesmo, me mantenho aberto o suficiente para reconhecê-lo, também, como o pior filme que eu já vi na minha vida.
É nesse intervalo entre a maior obra-prima da história do cinema e a pior merda que já vi na vida que se encaixam todos os filmes aos quais assisto. Torço para que a maior parte desses filmes beire as raias da obra-prima, ainda que eu saiba (repetindo) que isso é muito difícil.
Quando você diz “se começou a assitir a um filme de comédia com esse ‘exigindo algo a mais’ é porque suas intenções eram erradas desde o começo”, preciso dizer, é um erro grotesco de avaliação sua. A comédia é, por excelência, uma das formas de arte mais incríveis de que se tem conhecimento. Seja essa comédia utilizada no cinema, no teatro, na literatura, em quadrinhos, em música, etc. A comédia é, por natureza, um gênero em que não apenas se PODE, mas se DEVE esperar “esse algo a mais”, porque ela já nasceu questionadora, subversiva, política, ao mesmo tempo em que se entregava ao pastelão, ao besteirol, que surgiu exatamente para mascarar e camuflar esse tipo de questionamento “a mais”, que não pode ser explícito em todos os momentos.
Se em algum momento passou pela sua cabeça que eu estou comparando um filme do Will Ferrel com uma comédia do Kubrick, não tenha dúvidas disso, estou. A diferença é que tenho bom senso suficiente pra saber que o Kubrick é uma exceção a qualquer regra e foi um gênio, não apenas fazendo um filme de comédia, como em diversos outros gêneros, assim como é um pouco de falta de noção assistir a um filme do Will Ferrel esperando que ele seja melhor que Dr. Fantástico. Mas aí entra o que eu falei sobre assistir a todos os filmes com a mente mais aberta possível, é preciso estar preparado para aceitar e reconhecer caso esse filme venha a ser genial.
Se apropriando da composição de uma de suas sentenças e adaptando-a à minha própria opinião: reitero que, se você não espera algo ALÉM disso, você está vendo errado os filmes desse gênero.
A comédia precisa ser sempre política, questionadora, ter “algo a mais”? Não. Ela pode ser pura e simplesmente um pastelão, torta na cara, puxada de cadeira, esticada de cueca. A única obrigação da comédia é ser engraçada, fazer o seu público rir. Seja da situação, do ator ou de si mesmo. Se ela te faz rir, ela funciona como comédia, mas aí é preciso saber se ela funciona também para aquilo a que ela se propõe, porque nem sempre ela se propõe apenas a ser um mecanismo fácil para provocar o riso. Muitas vezes, ela se propõe a apresentar questionamentos maiores, para além do riso.
Pois bem, não vi O Âncora, então não posso falar sobre o filme com propriedade, mas falando sobre a crítica do Fábio, pelo que entendi, O Âncora é um filme que, sim, se propõe (mas em partes) a algo maior, questionador. Oras, é só ler o texto que se vê que ele questiona a mídia, a relação do tratamento que as mulheres recebiam na década de 70, etc.
Mais uma vez adaptando seu texto, devo dizer que o que parece aqui é que você não gosta de pensar além daquilo que você mesmo espera de um filme com o Will Ferrel, ou com qualquer outro ator e/ou diretor. Uma pena, porque você pode estar perdendo muita coisa legal na comédia.
Enfim, vou tratar essa sua crítica apenas como uma opinião pessoal sua e não como um comentário realmente relevante e daí fica tudo certo.
Boa sorte em assistir a filmes de comédia sem buscar “algo a mais”.
Depois dessa, nem tenho nada mais a dizer. I rest my case.