Sylvia (Fabíula Nascimento) chega à escolinha para buscar a filha, Clara (Isabelle Ribas), e, após ser avisada pela professora de que alguém já havia levado a menina, chega à conclusão de que a menina foi sequestrada. Na delegacia, tanto Sylvia quanto a professora prestam depoimento, enquanto aguardam a chegada de Bernardo (Milhem Cortaz), marido de Sylvia. Ao chegar, Bernardo inclui mais um elemento na história, Rosa (Leandra Leal), uma “conhecida” que supostamente estaria fazendo uma brincadeira com ele ao sequestrar sua filha.
E o que inicialmente parece ser um filme policial torna-se um drama com nuances rodriguianos. Os esqueletos vão, aos poucos, sendo retirados do armário à medida que tomamos conhecimento do triângulo amoroso envolvendo Sylvia, Bernardo e Rosa. Ao espectador, revela-se apenas a versão dada pelos personagens, a cada conversa com o delegado (Juliano Cazarré). E a cada conversa, mais detalhes são adicionados. E, à exemplo da Igreja da Sagrada Família, de Gaudí, o panorama completo é construído aos poucos, à medida que a trama avança. Como uma casa à qual se adicionam vários “puxadinhos” de acordo com a necessidade.
Interessante notar que a fotografia do filme reflete essa compartimentalização. O uso frequente de planos-detalhe faz lembrar que o que é visto é apenas parte do todo e, sendo assim, pode não refletir totalmente a realidade. Assim como reafirma a importância de se dar atenção aos detalhes, às sutilezas, às entrelinhas. Instiga o espectador a se questionar sobre o que está acontecendo no espaço fora de quadro de forma bastante inteligente. Os enquadramentos fechados, tanto os planos-detalhe quanto os closes, são claustrofóbicos, dão uma sensação de confinamento que reflete o estado de espírito dos personagens enquanto depõem. É curioso reparar como em alguns momentos a câmera parece esperar que os personagens se movam para dentro do quadro.
Acompanhando os depoimentos de cada um dos personagens, a linha temporal vai se alternando, entre flashbacks, o que está sendo contado e o presente. E os flashbacks, assim como os depoimentos, ficam mais longos e mais detalhados, revelando a complexidade tanto dos personagens quanto do relacionamento entre eles. Os três envolvidos deixam de ser estereótipos dum triângulo “clássico” e começam a exibir outras facetas, passando da bi para a tridimensionalidade com bastante fluidez. E a cada novo evento adicionado, a cada traço de caráter que se descobre, o espectador é obrigado a repensar sua opinião a respeito de toda a situação. Os personagens vão de ‘mocinho’ a ‘bandido’ e de volta a ‘mocinho’ à medida que os conhecemos melhor. Ninguém é 100% inocente ou 100% culpado. E não se pode confiar totalmente no que dizem.
O roteiro eficiente não conseguiria ser tão impactante não fosse o elenco em plena sintonia. Fabíula Nascimento e Milhem Cortaz estão muito bem, com atuações na medida para seus personagens. Mas o destaque mesmo é Leandra Leal, que conseguiu fazer Rosa oscilar entre ingenuidade e sensualidade, entre olhares enigmáticos e suplicantes, entre doçura e ressentimento, com uma sutileza que não deixa espaço para o espectador duvidar de suas ações — mesmo as mais extremas.
Considerando que este é o primeiro filme de Fernando Coimbra, resta ao público torcer para que o diretor não perca a mão e continue levando às telas tramas com a mesma qualidade de sua estreia.
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Texto de autoria de Cristine Tellier.