Ofegante, exibindo imagens cuidadosamente erráticas, com a câmera tremendo e emulando os movimentos típicos da transa e enquadrando as faces corporais íntimas de modo peculiar, sob ângulos onde não se vê qualquer outra coisa. Thanatomorphose de Éric Falardeau mostra logo no início um dos seus dois temas, para explicitar o segundo logo após a intro citada, exibindo o casal após o sexo, interagindo enquanto o homem se fere com um prego no chão, passando a gritar loucamente, exibindo seu escasso traquejo para a atuação dramatúrgica minimamente aceitável.
A câmera de Falardeau não tem qualquer pudor em mostrar nudez, ao contrário, ela parece caçá-la, vista a naturalidade como tal estado é retratado. Sua abordagem remete também ao bondage, uma vez que se preocupa em enquadrar tanto a naturalidade do sexo quanto a existência da dor, mesclando e tornando-as parte de um todo, de uma simbiose onde não mais consegue distinguir uma da outra. O nível desta “obsessão” é ainda mais elevado com o decorrer da trama. A personagem de Émile Beaudry começa a ver suas unhas descolarem e sangrarem levemente – o processo que correra toda a história vai ganhando seus estágios iniciais.
Filmado sempre em ambientes fechados, a intenção do diretor é remeter a claustrofobia, sensação que se daria a um ser vivo caso fosse enclausurado dentro de um caixão, mas a protagonista não tem consciência do que ocorre consigo e com o seu corpo. Tais sensações ficariam mais evidentes caso o elenco fosse melhor, mas a vontade do realizador parece ser a de usar seus personagens como telas em branco, caricatos, para grafar a decomposição que se mostraria a posteriori. As relações, as brigas, os diálogos, tudo é muito mecânico e frio, como um pretexto para revelar a verdadeira faceta da história.
Na sinopse oficial do filme há a definição a respeito do curioso título da obra: Thanatomorphose é um substantivo francês que significa sinais visíveis da decomposição de um organismo, causada pela morte. O modo de viver da protagonista, sem qualquer anseio ou perspectiva, remete a isso. À medida que o roteiro avança, os sinais vão ficando visíveis na folha em branco que é o seu corpo, um lugar onde é facilmente distinguível qualquer hematoma ou ferimento.
Após o começo da transmutação, a personagem prossegue ávida por sexo, se obrigando mesmo sem condições físicas minimamente aceitáveis a se envolver em relações não degradantes. Seu apelo é tão forte que seus parceiros passam por cima da aparência nada agradável dela, ignorando até o seu estado de saúde, debilitado a olhos vistos. Com o agravar da condição, ela começa a sentir pena de si, numa autocomiseração enorme, que a faz chorar e sentir-se infame.
Logo a sensação de mal-estar dá lugar ao desespero total, uma vez que sua pele entra em decomposição. Mesmo as manifestações sexuais mais leves como a masturbação causam em si um dano enorme, com a câmera registrando o seu sangue escorrendo pelo lençol branco, em mais uma travessura com as cores que Falardeau faz com sua fita. O asco predominante apavora muito mais do que qualquer propensão ao susto, a ojeriza é maximizada pela maquiagem que de tão singular, torna-se não catalogável e impossível de ser associada a algo caricato, visto o quase ineditismo com que é feito em seres “vivos”.
Na meia-hora final a putrefação é tanta que as tomadas evitam ser dadas de corpo inteiro, a lente registra o corpo desnudo da protagonista em doses homeopáticas, focando em parcelas muito pequenas do corpo da moça. Mesmo quase não tendo mais vida ou feições humanas, ela ainda busca o prazer carnal, unindo a volúpia ao grotesco, passando a mensagem de que ambos estão inexoravelmente ligados, ainda que sua realização seja tão grotesca quanto o goire das cenas de auto-mutilação. Assim como a degradação de seu corpo, sua moral também se deteriora, e mesmo crimes homicidas deixam de ser um tabu, a única coisa que segue intocável é a sua ninfomania e a luxúria, cada vez mais difíceis de lidar graças a sua compleição cada vez mais degradante. A vontade maior presente na obra é chocar por meio do grotesco, resgatando o exploitation em uma amálgama entre pornografia e decomposição acelerada, em que a utilização de elementos sonoros serve tão bem a trama quanto suas tomadas de impressionante esplendedor visual. Thanatomorphose é um filme forte, imprescindível para o fã ávido pelo cinema extremo e contém em si uma forte mensagem, que a despeito das péssimas atuações, é passada pela linguagem cinematográfica universal, embalada pela sinistra trilha de violino que corta toda a película.