A polêmica a respeito do reboot dos quadrinhos da DC Comics produziu em público e crítica uma enorme discussão tanto em relação aos motivos desse acontecimento quanto à qualidade dos textos e artes dos Novos 52. Como consequência, aliada a reclamações constantes dos artistas – entre eles Geoff Johns, que foi um dos poucos roteiristas medalhões que permaneceram na casa – ensaiou-se uma saída deste paradigma, e o evento de grandes proporções, chamado de Rebirth ou Renascimento, possivelmente procura retomar origens.
Renascimento usa o mesmo nome dado às revistas que trouxeram tanto Hal Jordan quanto Barry Allen ao posto de Lanterna Verde e Flash, com roteiros de Johns e desenhos de Ethan Van Sciver. Após um remendo de qualidade discutível, e rumos do já antigo reboot, finalmente se dá vazão a essa história, que traria novos visuais, conceitos antigos e um possível ensaio para uma volta ao universo pós-Crise nas Infinitas Terras.
Se Renascimento é ou não um reboot, o tempo dirá, fato é que a saga veio para mudar os paradigmas editoriais, sendo esta a despedida de Johns da linha regular de histórias e o início de uma participação mais ativa nos bastidores de quadrinhos e áudio visual, a fim de auxiliar Zack Snyder no cinema. Abaixo, uma breve análise das primeiras publicações desde junho, com os especiais já lançados:
Universo DC – Renascimento #01
Talvez seja a mais polêmica revista dessa primeira fase, uma vez que trabalha com uma situação clássica, esquecida por muitos. O pivô desta saga é Wally West, que após a Crise de Marv Wolfman e George Pérez, se tornou o Flash. A primeira aparição do personagem é com o Batman, como seu tio fez outrora, mas evidenciando o fato de vestir o traje de Kid Flash e a memória existente antes de Ponto de Ignição, acusando outros personagens, e ele mesmo, de estarem bem mais jovens.
Este artifício metalinguístico, com West simbolizando o leitor antigo, não desconsidera o novo fã do universo DC, uma vez que há uma pequena explicação tanto sobre a Força de Aceleração, que dá aos velocistas poderosos suas habilidades – inclusive a de viajar no tempo – quanto sobre o começo da carreira de West como vigilante e como fã do Flash da Era de Prata. A publicação é um arremedo e introduz muitos elementos do passado, como a relação do Arqueiro Verde e Canário Negro, esquecida nesta versão, e outros elementos da relação de mentor e pupilo entre Barry Allen e Wally West.
Pontos Positivos: Há muitas referências à trágica morte do Flash Barry Allen, através de seu sucessor, e é bastante interessante e saudosista vê-lo tentando entrar em contato com seus antigos amigos dos Titãs, entre eles Asa Noturna, Cyborg e Arsenal. Os desenhos emulam, inclusive, o traço de Pérez em Crise nas Infinitas Terras, e compõem quadros belíssimos.
Pontos Negativos: a tola necessidade de novamente tentar mesclar o universo comum da DC e Watchmen, justificando o conceito levantado por Alan Moore de que a indústria de quadrinhos atual resgata suas ideias como guaxinins vasculhando seu lixo na calada da noite.
Lanterna Verde – Renascimento #01
Conduzida por Johns e Sam Humphries no roteiro e desenhos de Van Sciver e do brasileiro Ed Benes, a publicação do Gladiador Esmeralda inicia-se tratando rapidamente sobre a sucessão dos Lanternas terráqueos, Hal Jordan, John Stewart, Guy Gardner e Kyle Rayner, ainda que a primeira narração direta seja feita por Simon Baz, o lanterna árabe, que tem de lidar com a islamofobia já no primeiro quadro em que aparece. Logo, este se encontra com outra versão do herói, feminina e latina, chamada de Jessica Cruz, também introduzida na época pós-Novos 52. Os eventos culminam na chegada de Hal, afirmando o quão crus estão os dois atuais representantes da Terra, mas sem esclarecer onde estão Rayner, Garner e outros. Ao final, os destinos dos dois novos heróis se alinham aos vilões lanternas vermelhos, referenciando A Noite Mais Densa, mega-saga do Universo DC comandada por Johns.
Prós: Ingresso dos mais recentes membros da tropa, destacam-se duas minorias normalmente perseguidas nos Estados Unidos, um islâmico residente na América e uma mulher latino-americana, evocando o clássico lema da tropa de inclusão e representação de povos diversos. Outro ponto curioso é a capa de Van Sciver homenageando a própria arte antiga de Lanterna Verde: Renascimento, trocando Jordan pelas duas novas encarnações do herói.
Contras: A história em si soa genérica. A ideia de inserir um dos caçadores é até esperta, mas seu resultado final é óbvio, como um preparativo do velho Jordan, que testava os dois recrutas. O didatismo exacerbado faz a história perder um pouco do caráter de introdução, ainda que o saldo seja positivo.
Arqueiro Verde – Renascimento #01
Bastante diferente do visto nos Novos 52 – que, por sua vez, baseava-se na versão do personagem em Smallville – O Arqueiro Verde segue estilizado e semelhante à sua real origem. A aventura, escrita por Benjamin Percy e desenhada magistralmente por Otto Schmidt, se passa nesse início em Seattle, e não em Star City, o que faz lembrar uma das características de Oliver Queen há muito esquecida. A participação da Canário Negro oferece um ar nostálgico, fazendo um paralelo com a antiga minissérie Caçadores. Ao final, a dupla de vigilantes enfrenta os estranhos opositores, e dá vazão ao romance que antes existia, e que nesta versão parece muito mais subliminar do que qualquer outra coisa.
Prós: Arte estilizada de Schmidt é bastante bonita, modernizando os temas clássicos do herói. Outro ponto que favorece a publicação é o grato retorno à essência contestadora do personagem, apresentado como um sujeito ranzinza e ligado ao pensamento progressista. Além disso, é charmoso o reatar do interesse amoroso dos dois protagonistas.
Contras: A origem dos vilões enfrentados é pouco trabalhada, e tanto visual quanto atitudes pouco fazem lembrar os antagonistas tradicionais do arqueiro, fator que deixa o real antagonismo por parte das circunstâncias comuns a um relacionamento amoroso.
Batman – Renascimento #01
A história de Scott Snyder – que escreve a saga Noite das Corujas, e demais arcos que iniciaram o Morcego nos Novos 52 – e Tom King mostra um Bruce Wayne enrolando Lucius Fox em uma versão tão despreocupada quanto sua persona em Batman Begins. A Arte de Mikel Janín pressupõe momentos grandiosos, com cenários gigantes explorados por um protagonista diminuto, apelando para a extrema humanidade do Cruzado Encapuzado diante de um mundo de semi-deuses, aspecto antes explorado em algumas revistas da Liga da Justiça e agora trabalhada em sua revista solo.
Prós: Os desenhos de Janín são belíssimos e fazem lembrar a arquitetura da Gotham que Tim Burton pensou para o morcego em Batman, de 1989, além de inúmeros elementos da animação de Bruce W. Timm.
Contras: Falta emoção no arco, já que as conclusões seriam deixadas para os momentos posteriores. Mesmo diante desse adiamento, que haveria como ser contornado, Snyder não se esforça para tal, defeito que carrega desde suas fases antigas com o herói.
Superman – Renascimento #01
O começo da história é melancólico, narrando a morte do Super-Homem e trazendo um retorno imediato de uma figura intitulada com a alcunha do herói, mas misteriosamente sem a identidade dupla de Clark Kent. A história de Peter J. Tomasi e Patrick Gleason é quase um remake dos eventos da A Morte do Superman e O Retorno de Superman, referenciando cenas inteiras e uniformes iguais. O desfecho é otimista, apesar de pouco revelar o entorno do herói-ícone da editora.
Prós: Os desenhos de Doug Mahnke são muito bons, agregando um valor que a história simplesmente não consegue equiparar. Mesmo os quadros copiados de Dan Jurgens são mais bem feitos e mais significativos se comparados com a saga original.
Contras: Mais decepcionante dentre as primeiras histórias, principalmente por ser necessária uma longa leitura anterior para entender o contexto histórico, o que atrapalha o ingresso de novos leitores.
Aquaman – Renascimento #01
Apesar de sempre ser relegado ao arquétipo de alívio cômico e consequente piada – como visto nos arcos de Johns e Ivan Reis no ultimo reboot – o rei de Atlantis Aquaman tem uma versão mais séria e condizente com o papel de fundador da Liga da Justiça e de poderoso governante de dois terços do mundo. A história de Dan Abnett mostra Arthur Curry após o pedido de casamento a Mera, usando a tradição dos homens da superfície e a figura heroica como uma ameaça para os homens comuns, fato alardeado, inclusive pela imprensa especializada, como uma espécie de terrorista, o que garante um tom adulto à trama, ainda que moderado.
Prós: A revista não perde tempo com enrolações, ao contrário, a ação inicial é desenfreada e fortificada pela bela arte de Scott Eaton e Oscar Jiménez, trazendo à tona parte dos melhores momentos de Liga da Justiça: Guerra.
Contras: Assim como Superman, é necessário um pouco mais de contexto para entender o mote da história, ainda que a introdução à catástrofe de 2013 seja melhor explicitada neste do que na revista do Super. Outro problema é a tentativa de fazer humor, não exitosa como o arco de Johns e Reis lá atrás.
Mulher-Maravilha – Renascimento #01
Mais uma vez coube à amazona de Themyscira a incumbência de ter em seu argumento o melhor dos artistas da editora. Nos Novos 52 foi Brian Azzarello, e nesta versão, Greg Rucka, que faz outra vez uma reimaginação da origem de Diana, resgatando o romance de Hipólita antes do nascimento de sua herdeira. Mathew Clark traz em sua arte um uniforme mais clássico, bastante parecido com o traje que George Pérez idealizou, passando também pelo utilizado por Gal Gadot em Batman vs Superman: A Origem da Justiça. A história é direta e repleta de ação, e em seus easter eggs promete ser divertido acompanhar as publicações.
Prós: Mulher-Maravilha é uma personagem inteligente e sagaz, fator comumente esquecido pelos escritores, e na revista ela chega a conclusões brilhantes sobre o mote do mega evento, com uma clarividência até inédita para os padrões desses arcos. A conclusão à qual ela chega não é acompanhada da ajuda de nenhum personagem externo, e, assim que percebe isso, Diana muda de postura e passa por fortes lutas em ambiente olímpico, fato que reata suas origens aos mitos gregos.
Contras: O visual planejado pela equipe criativa de Azzarello era funcional e abraçava a ideia de leitoras mais atentas a temas feministas, uma vez que Diana Prince era bem menos fetichizada do que o tradicional registro da heroína, e isso não se repete nesta edição, com a exclusão de suas calças compridas.
Flash – Renascimento #01
Novamente começando sob uma premissa policial, parecida com as séries televisivas que mostram cenas de crime, Flash é escrito por Joshua Williamson com uma pegada mais adulta e violenta, em um contraponto que faz equilibrar e harmonizar o escapismo heroico resgatado em uma aura mais madura. Este é um título enigmático que promete grandes mudanças, possivelmente com o retorno do Barry Allen, clássico mega poderoso, apesar de não ter sido permitido ao roteirista falar muito sobre sua revista. Ao final da publicação, permanece um clima profético, parecendo que a origem do problema recairá sobre esse número, como ocorreu com Flashpoint.
Prós: Desenhada por Carmine di Giandomenico, a edição é bem interessante e ácida, com uma arte fluida e interessante narrativamente. O desenhista consegue emular estilos bem diferentes e todos de maneira bem competente. Outro fator excepcional é a ligação afetiva bem elaborada entre Wally e Barry, fazendo lembrar uma remontagem da Era de Prata ainda mais interessante.
Contras: A ausência de respostas incomoda um pouco, e a aparição dos elementos ligados ao Comediante em Watchmen também faz irritar pela insistência em um argumento que dificilmente não soará pueril e ofensivo para os fãs de Moore, além de ajudar a fortalecer o conceito de que a DC tenta se vingar do escritor.
Titãs – Renascimento #01
Também narrada por Wally West, a história começa com uma lembrança da Turma Titã e da evolução do grupo pairando sobre o presente, em que o herói esquecido muda de uniforme, retornando ao vermelho para obter contato com seu antigo amigo, Asa Noturna (Dick Grayson). Com texto de Dan Abnett e arte de Bret Booth, Titãs também tem em seu cerne o resgate às origens .
Prós: Apesar do começo em meio às catástrofes, o desfecho é bem otimista para West, que finalmente retoma suas antigas parcerias e seu lugar de direito junto aos antigos sidekicks, para construir a partir dali uma relação mais sólida.
Contras: com toda a confusão envolvendo os membros dos Titãs originais nos últimos tempos, é bem difícil tratar de Donna Troy, Roy Harper, Dick Grayson, Garth (Tempest) e Lilith. Este número não é diferente, e trabalha tudo de forma “zerada”, sem muitas explicações por parte de Abnett
Conclusão:
O lançamento das edições até aqui é bastante conservador, visando agradar tanto ao publico mais antigo – ávido pelo retorno de uma era heroica mais clássica – quanto aos vendedores consignados, apelando para os clichês mais populares. As equipes criativas não são lotadas de medalhões até o momento, e há uma preocupação em não ousar tanto, apostando em um feijão com arroz bem medroso, abusando do “mais do mesmo”.
Rebirth ainda se desenrolará, mas seu primeiros momentos já reúnem alguns bons argumentos. Porém, ainda engatinha em sua fórmula, causando no leitor a mesma sensação de bom começo em grandes sagas anteriores, mas que não necessariamente terminaram bem.
Mais um recomeço, que não é recomeço ?
Huahahaha
Exatamente isso. A DC está se tornando “especialista” nisso.