Quando Jim Lee foi anunciado como novo desenhista do Batman, na DC Comics, muita gente ficou com a pulga atrás da orelha. Afinal, o artista coreano era conhecido por desenhar os coloridos X-Men na Marvel, e não se imaginava como seria sua investida no mundo sombrio do Homem-Morcego. Felizmente, ele não fez feio! A arte de Lee caiu como uma luva e funcionou perfeitamente para aquilo a que se propôs. Tudo o que ele precisava era de um bom roteirista que soubesse aproveitar seus atributos em favor de uma boa narrativa. Infelizmente, não foi o que aconteceu com o roteiro de Jeph Loeb.
Silêncio se mostrou uma trama arrastada, sem foco, rocambolesca e massavéi, o que desperdiçou todo o potencial de Lee. Loeb, que já nos brindou com a excelente maxi-série O Longo Dia das Bruxas, tentou imitar a si mesmo. Não colou. Em O Longo…, o autor desenvolve uma trama na qual ficamos as treze edições tentando adivinhar a identidade do assassino. O mesmo ele tenta fazer nesta história, mas com um problema: o assassino fica muito claro já na primeira edição!
Loeb utiliza-se de um recurso narrativo que tem se tornado o pesadelo dos fãs de quadrinhos nas últimas décadas: o retcon. Esse recurso é usado quando o roteirista resolve mudar o passado de algum personagem, inserir algum detalhe na trama ou explicar algo que ele considere importante mas que nunca foi mostrado. Diferente de um flashback, o retcon abala as estruturas da história de um personagem. E é exatamente o que ocorre nessa história. Um personagem extremamente importante é “retro apresentado” aos leitores: um amigo de infância de Bruce Wayne do qual ninguém jamais tinha ouvido falar, mas que de uma hora para outra passa a ser a pessoa mais importante na vida do playboy milionário. Causa estranheza no leitor, e, em um momento, Robin chega até a mencionar o fato de Bruce não ter falado a ninguém sobre esse amigo. Nesse momento, lá pela metade da trama, parece que Tim Drake está expressando o pensamento de seus leitores.
A trama é bastante rasa. Alguém está stalkeando o Batman e usando seus maiores inimigos contra ele. O herói tem que enfrentar os vilões mais perigosos de sua galeria, como o Crocodilo, Hera Venenosa, Arlequina, Coringa, Charada, Espantalho… E até o Superman! Aqui cabem dois comentários: primeiro, a ideia de enfrentar todos os vilões já foi explorada, e de forma muito melhor, na megassaga A Queda do Morcego; segundo, o Superman não acrescenta nada à trama a não ser o fan service para quem idolatra o Batman e odeia o Azulão. Lá pelas tantas, o tal amigo de infância é assassinado, aparentemente pelo Coringa, e Batman precisa descobrir quem está arquitetando o plano (que plano mesmo?). O roteirista parece querer brincar com o leitor (que não sacou na primeira edição), inserindo diversas possíveis identidades para o assassino. E talvez essa seja a parte mais frustrante da história. Em determinado momento, um importante aliado de Batman é revelado como sendo o vilão da história. E faria sentido, principalmente devido a algo que aconteceu na primeira edição (o rompimento da “batcorda” com um “batarangue”). Mas era mais uma “pegadinha”. Entre os personagens que poderiam ser o stalker está, inclusive, Harold – o corcunda de estimação do Batman –, que estava sumido desde a A Queda. O problema é que Harold aparece completamente solto na trama, e leitores mais novos podem ficar totalmente sem entender o que ele significa no universo do Morcego.
(Nota do redator: Harold é um personagem que, para o bem de Bruce Wayne, deve ser desconsiderado editorialmente. Afinal, é praticamente um escravo que cuida da parte mecânica da Batcaverna, e que, além de corcunda e mudo, tem claros sinais de deficiência cognitiva. Já ouviu falar de ética, Patrão Bruce?).
No fim da trama, a identidade do vilão é revelada (Nossa! Que surpresa!), e ficamos sabendo que um dos mais antigos vilões de Gotham conhece a identidade secreta do Cavaleiro das Trevas, mas não pode fazer nada com essa informação. Temos um Batman mais abalado e trágico do que já estamos habituados, e percebemos claramente que seus aliados são parte crucial de sua persona. A imagem do Batman solitário nos é colocada à prova, pois vemos o quanto ele depende de seus aliados – não, “amigos” seria a melhor palavra! – para se manter como defensor de Gotham.
Para um leitor iniciante, talvez Silêncio não seja tão ruim. A saga apresenta bem os personagens, e o “fator fan service” talvez até agrade bastante aos leitores. É como se fosse um álbum do tipo Batman – Greatest Hits, por apresentar encontros com seus maiores inimigos no decorrer da saga. Como um narrador inexperiente de RPG, Loeb parece rolar dados e consultar uma tabela de “encontros aleatórios” para inflar sua trama. Talvez Silêncio tenha funcionado como série mensal, mas como Graphic Novel é sofrível. Vale lembrar que a edição lançada pela Eaglemoss Collections em dois volumes apresenta vários erros de digitação que, se não atrapalham o entendimento da saga, ao menos se tornam um incômodo desnecessário. Pelo menos, temos a arte de Jim Lee, que sofre do mesmo mal de seus amiguinhos da Image Comics – não desenhar pés, ou apresentar problemas com perspectiva –, mas em diversos momentos é agradável e nos proporciona diversos “pin ups”. E é sempre bom ver um de nossos heróis favoritos bem desenhados!