Lançado pela Panini Comics em dois volumes, cada um compilando quatro edições da minissérie, Demolidor – Fim dos Dias dá prosseguimento a “The End” da Marvel, apresentando um fim definitivo para grandes personagens em um futuro provável. Nessa edição, a obra sobre o fim do Homem Sem Medo reúne um grande time de roteiristas e quadrinistas, que passaram pelo título e se destacam entre as grandes fases da personagem. Brian Michael Bendis e David Mack assinam em conjunto o roteiro, enquanto Klaus Janson desenha e Bill Sienkiewicz se responsabiliza pelas cores. As capas principais são assinadas por Alex Maleev (que também é responsável por algumas páginas específicas da história), e há versões alternativas com Mack e Sienkiewicz. Um grupo excelente para a suposta última história de Matthew Murdock.
O universo situado é um ambiente hostil em que a maioria dos heróis se aposentou ou retornou à vida normal. As grandes representações de outrora se tornaram subprodutos da indústria de marketing em lanchonetes e afins que utilizam os nomes da era heroica como razão para a credibilidade. A trama é narrada por Ben Ulrich, um dos personagens mais significativos na evolução da personagem, representando, simultaneamente, o homem comum e a força da imprensa, o quarto poder. O jornalista será responsável por uma reportagem final sobre o Homem Sem Medo, integrante da última edição impressa do Clarim Diário, jornal de J.J. Jameson que, mesmo resiliente, tirará seu jornal de circulação.
Bendis e Mack sempre utilizaram em suas histórias a potência de Demolidor como um herói urbano, flertando com uma narrativa policial de crimes e contrabando. Novamente a estética policial é utilizada no enredo, dessa vez de maneira mais pura, com um mistério a ser desvendado por Ulrich. O repórter parte em uma jornada investigativa para descobrir por que, prestes a ser morto, Matt Murdock sussurrou a ele uma palavra desconhecida. A trama parte da mesma referência do clássico do cinema Cidadão Kane: uma figura notória da sociedade, prestes a morrer, diz uma palavra incompreensível e um repórter que, a partir de então, reconstrói a história desse personagem enquanto procura o significado desse último ato.
A escolha de um viés policial como propósito narrativo é coerente e justifica a presença de grandes personagens do universo do protagonista: Elektra, Mary Tifóide, Justiceiro, Foggy Nelson, entre outros que recebem a visita do jornalista. Metódico e dedicado em sua reportagem, Ulrich busca informações de todos os associados conhecidos, conectando uma teia de personagens que, não fosse a estrutura de uma investigação, seriam presenças aleatórias dentro desta trama-homenagem.
Em um início de alto impacto, com a luta derradeira entre Demolidor e Mercenário, Ulrich expõe a importância de Murdock como um justiceiro ao mesmo tempo em que estabelece a mudança em um mundo sem heróis aparentes. Será dele a função de transitar entre diversos amigos e vilões do Homem Sem Medo, colhendo dados e procurando informações que justifiquem a ausência de Murdock nos últimos anos e o porquê da palavra misteriosa.
Antes de sua morte, Murdock havia estabelecido uma conduta diferente daquela conhecida pelos leitores, ultrapassando limites de sua jornada e, portanto, colocando em xeque sua função como vigilante. Um drama interno desenvolvido através do desgaste emocional extremo de anos em combate, além da redução das habilidades físicas após um longo período de intensa atividade física. A queda da personagem, desta vez eterna, simboliza a decadência do próprio conceito de herói e dialoga com a base argumentativa de Bendis dentro da Marvel, injetando um conceito realista com o qual assumiu o título de Demolidor e Os Vingadores.
O ritmo narrativo se mantém na maioria dos oito volumes da série, mas o desfecho se revela levemente mais fraco do que o excelente início. Em parte devido às pistas que os roteiristas deixam no decorrer da trama, as quais um leitor mais atento percebe acompanhando a investigação ao lado de Ulrich (por consequência, tentando desvendar as pistas descobertas).
O leve desequilíbrio entre começo e fim não reduz a qualidade da história. Fim do Dias é eficiente como narrativa final de um grande personagem, promovendo uma bela homenagem sobre sua trajetória, ao mesmo tempo em que transforma este possível fim em mais um momento para figurar nas listas de grandes histórias de Demolidor.