Watson (Martin Freeman) acorda de um pesadelo, relembrando a guerra do Afeganistão onde servira. O personagem logo de início mostra uma enorme dificuldade em se adaptar a vida civil, e sugerido por sua psicanalista, deveria utilizar seu blog para exorcizar-se. O piloto é dirigido por Paul McGuigan (realizador de Xeque Mate e Um Crime de Paixão, entre outros) e a série foi criada por Steven Moffat – roteirista do filme de Spielberg, As Aventuras de Tintim, da série Doctor Who – e Mark Gatiss – roteirista também em Doctor Who, Poirot e inúmeras outras produções e ainda faz as vezes de ator – que reutilizam muitos tópicos canônicos em seus roteiros.
Benedict Cumberbatch faz um Sherlock levemente desajustado, tresloucado e muito agitado. A preferência por mensagens de texto remete ao problema do Detetive com telefones, evidenciado nos contos de Conan Doyle. O 1° encontro entre os dois amigos é absurdamente fiel ao mostrado em Um Estudo em Vermelho. A personalidade de Holmes é ácida e irônica na medida certa, de forma até tímida, mas muito pontual. O apartamento de Baker Street lembra muito a arquitetura de sua “contraparte” na série Adventures of Sherlock Holmes com um tom de modernidade maior, como tudo na série. A câmera persegue o Detetive como olhos ávidos pelo mistério e pela saída do lugar comum.
O interesse de Sherlock pelos crimes bizarros gera na visão do corpo policial uma expectativa ruim relacionada a si, não só por sua postura arrogante – plenamente justificável – como a de uma possível propensão ao crime. Quando um desafeto o chama de psicopata, ele prontamente responde: “Sou um sociopata funcional, é diferente”. Lestrade (Rupert Graves) diz que Sherlock é um grande homem, e talvez um dia, seja um dos bons, reforçando o argumento doyliano de que Londres teve sorte dele não voltar-se para o crime. No entanto, sua mente é inescrutável e de difícil compreensão para as pessoas ordinárias.
Watson não teme a guerra, na verdade ele a persegue e é por isso que ele se interessa pela ação de Sherlock. A identidade do “arqui-inimigo” do investigador é um segredo no começo, e o médico recebe dele uma proposta para espionar o detetive consultor, mas não o faz. John enxerga em Sherlock uma grande semelhança consigo mesmo – a predileção pelo perigo.
Há um artifício utilizado no roteiro que é bastante significativo, por demonstrar em tela uma enorme superação: o esquecimento da bengala por parte do ex-soldado, que acontece em dois momentos durante o episódio, o que constitui em si um signo para a cura de seu maior medo de não se adaptar a este novo modo de vida.
A edição é repleta de cortes secos e rápidos contrastando com as cores fortes e objetos “estourando” na tela que dão uma sensação de dinâmica rápida e atraente mesmo ao público mais jovem, que provavelmente não se interessaria pela literatura da era vitoriana. O desfecho revelando o envolvimento com a misteriosa organização e a utilização de um serial killer é uma apropriação perfeita de um tema ainda em voga. Nos últimos momentos de exibição, John mostra que entendeu Sherlock, o definindo como um idiota, mas que chega às difíceis conclusões de forma brilhante.
Já vi a série toda e sou fã. Dá de 1000 a zero naquele sherlock afetado do Downey Jr…
Totalmente, apesar de eu gostar dos filmes do Guy Ritchie também, lá a proposta é prum público mais genérico.
Você viu só o episódio oficial ou o piloto que não foi ao ar também? É interessante notar as diferenças.
A série é ótima, ela me empolgou pra ler a obra completa do Sherlock, inclusive.