Em Salto, Rapha Pinheiro apresentou ao público um primeiro vislumbre da cidade subterrânea de Intos, destacando a coragem e o ímpeto do jovem Nü, que se impôs diante das mentiras e desmandos que mantém o Barão no controle de toda a população.
Se colocando em um papel de arauto da verdade, após descobrir que o mundo da superfície é seguro e o povo tem vivido e morrido em meio às claustrofóbicas paredes das cavernas, Nü parte com Jules e Mae, frustrado por não conseguir convencer a população acerca da vilania do líder da cidade, mas não sem tocar ao menos uma pessoa, o misterioso capitão da polícia de Intos, Silas.
Nesse spin-off, Pinheiro se propõe a contar a vida do silencioso e enigmático personagem, em paralelo com a trajetória de Nü, narrada em Salto. Com precisão, o quadrinista mostra a sofrida vida de Silas, que desde pequeno se viu sozinho, após um terrível e misterioso acidente, precisando de uma engenhosa armadura para conseguir sobreviver na cidade.
Criado pelo Barão, Silas cresceu e se destacou vivendo isolado das pessoas, sem demonstrar emoções nem quaisquer preocupações que não tivessem relação com sua atuação profissional. Intransigente e impiedoso, Silas passa por uma crise de consciência após ser interpelado por um beberrão na rua, e posteriormente conhecer Maud Rockwell.
Na idosa, também afligida por um acidente durante a infância, Silas encontra uma figura materna, e começa a repensar suas atitudes e sua devoção cega ao Barão, enquanto surge na cidade o burburinho resultante das aventuras de Nü. Tendo de conviver com a tragédia da perda e com sua consciência lhe mostrando que há algo de errado na história que vem lhe sendo contada ao longo dos anos, Silas parte para descobrir a verdade, o que resulta nos eventos mostrados em Salto, e nos leva ao confronto entre o capitão arrependido e seu mentor corrompido.
De forma inventiva, Rapha Pinheiro faz de Silas um complemento para o entendimento de Salto, mostrando facetas da história que não poderiam ser observadas em um primeiro momento, em uma perspectiva unidimensional. Em um recurso típico das séries de TV e do cinema, essa montagem das cenas já vistas anteriormente sob uma outra perspectiva confere requinte para a narrativa.
Nessa nova HQ, o quadrinista expande os conceitos que apresentou em seu trabalho anterior e fecha algumas pontas, deixando outras em aberto para uma possível – e desejável – continuação, dando conta dos desdobramentos resultantes dos eventos narrados nesse conto sobre escolhas e mudanças de rota.
Pinheiro demonstra sensibilidade ao construir a personalidade de um personagem que não pode falar, e cujas feições se encontram escondidas por baixo de uma inflexível máscara protetora. Por trás de todo o aparato tecnológico, Silas apresenta complexidades, traumas e valores, demonstrados através de um competente trabalho de composição narrativa por parte do autor.
Ao não fazer uso do suporte verbal, Silas atua em uma narrativa contada por seus coadjuvantes, o que faz com que estes também precisem ser bem construídos e desenvolvidos, para não soarem rasos e descartáveis. O amadurecimento da escrita de Rapha Pinheiro é flagrante entre Salto e Silas, enquanto a arte continua um ponto de destaque na trama, conduzindo visualmente o leitor por caminhos que as palavras muitas vezes não dão conta de revelar.
Em relação ao letreiramento dos balões e caixas de texto, a HQ comete alguns deslizes de ordem revisional, mas nada que interfira na experiência de leitura.
Com Silas, Pinheiro dá mais um passo em seu universo steampunk, tecendo metáforas com o mundo real e dando alma e personalidade para suas criações. Fica a esperança de uma continuação, pois o universo ficcional criado pelo quadrinista ficou ainda mais interessante.
Publicado pela Avec Editora, Silas conta com 96 páginas em papel couché de boa gramatura e capa cartonada, sem orelhas.
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