O peso do passado sufoca o viver do presente. Asfixiado, tampouco o futuro pode ser vislumbrado. As memórias que carrega há 70 anos fazem de Edna Rodrigues de Souza um mero dispositivo de rememoração de um tempo não tão distante, em exceção aos anos precedidos, mas que se repete desde então, sem perspectiva de fim. Em Edna (2021), Eryk Rocha (Cinema Novo, Campo de Jogo) aborda de forma sutil o elo que sustenta o ciclo de opressões de forças institucionais aos desamparados do Brasil de ontem e hoje.
Sobrevivente da Guerrilha do Araguaia, a personagem que dá nome ao filme se deixa filmar sem que fale para a câmera a narração que atravessa o off do documentário. A voz é de Edna, mas não necessariamente daquela vista em cena. O invisível toma forma nas letras de um diário quinquagenário e ganha liberdade no recitar da protagonista durante a uma hora de projeção do filme. A vazão que Edna tem em seus relatos diverge da rigidez da câmera que acompanha seu dia a dia às margens da rodovia Transbrasiliana, entre os estados do Pará e do Tocantins.
O diretor parece estar ciente disso. Ainda que suas lentes permaneçam sempre à certa da distância da personagem, aproximando-se somente em zoom, Edna é permissiva o suficiente para ser seguida na cama, ao tomar banho, ao discutir sobre sentimentos amorosos com seu companheiro. O conjunto que se forma no quadro da precária habitação da protagonista é o de desolação e solidão, contrastado com o fluxo e presença da estrada que atravessa sua vida e os caminhos do país.
Da mesma forma, a estaticidade das cenas contraria a dinâmica da narração, como num ensaio entre vida e sonho. É desses opostos que Rocha e Edna, a mulher e o longa-metragem, tratam de um Brasil que insiste em renegar o passado e padecer desse erro no presente, numa constante de repressão e massacre. Asfixiado, tampouco o futuro pode ser vislumbrado.
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Texto de autoria de Arthur Salles.