Matrix Ressurrections é o quarto filme da saga iniciada em Matrix, lançada 18 anos após o terceiro volume da saga, Matrix Revolutions. Todo seu material de divulgação dava conta da possibilidade de um reboot, com elementos que ressuscitariam os conceitos da trilogia original.
É bem difícil falar a respeito da obra dirigida por Lana Wachowski — Lilly não quis retornar por motivos pessoais — sem falar a respeito dos rumos narrativos da história. Contudo, há uma ideia que beira o genial na história e que faz um bom comentário metalinguístico, especialmente no que envolve o personagem de Keanu Reeves. Associar os eventos da trilogia a outro tipo de simulação é bastante válido, e gera momentos verdadeiramente hilários.
Fora isso, os novos personagens são em sua maioria muito divertidos e icônicos, e até melhor aproveitados do que na versão de 1999, onde a maioria da trupe comandada pelo Morpheus de Laurence Fishburne são apenas estilosos, e não tem muita importância ou tempo de desenvolvimento.
Outra questão bastante positiva é a fotografia, assinada por Daniele Massaccesi, que já vinha trabalhando como operador de câmera em filmes com as Wachowsky e com o diretor Ridley Scott, além do veterano John Toll de Coração Valente, Além da Linha Vermelha e também A Viagem, O Destino de Júpiter e Sense8, produções das diretoras que criaram Matrix. A mudança nas cores da simulação, saindo o verde dos códigos para o azul semelhante a pílula também serve bem como um comentário a respeito da mudança de abordagem desta parte da saga.
Jessica Henwick, Yahya Abdul-Mateen II e Jonathan Groff estão muito bens em seus papéis, até Pryanka Chopra Jones, introduzida em segundo momento, é bem utilizada. Carrie-Anne Moss e Jada Pinkett Smith também acrescentam bastante em seu retorno, o ponto negativo na atuação recai sobre Neil Patrick Harris, que varia entre o personagem discreto e o canastrão sem nuances, e nem a desculpa de programação salva esse desempenho.
Após Neo fazer um acordo com as máquinas para que deixasse a humanidade de Zion em paz no final do último filme da trilogia acompanhamos o desenrolar desse ato. Esse armistício tem um bom desenvolvimento, e ver como o quadro evoluiu é uma boa surpresa, tanto visualmente quanto em conceito, dado que boa parte da política mostrada aqui foi plantada nos filmes anteriores. O problema mesmo é a função de Neo na simulação.
O personagem de Reeves era o escolhido, como Jesus Cristo que se entregou em sacrifício para derrotar um vírus. No entanto, nesta versão o personagem estar na posição em que inicia o filme, com tanto acesso a questões que lembram o funcionamento de um simulacro, não faz nenhum sentido. Se é preciso que se mantenha um inimigo por perto, não faz sentido dar-lhe recursos que podem ser encarados como armas.
Importante lembrar que na gênese do projeto Matrix, as irmãs Wachowski queriam que os humanos fossem como computadores. Em conversa com os estúdios se decidiu que seriam baterias. A opção deste novo filme de aludir a isso, mesmo que de forma não literal é ótima, pois além de remeter a ideia original, ainda traz novas camadas para a discussão. Visto que a mente humana tem maior capacidade criativa que uma máquina, faz todo sentido utilizar no simulacro a força e esforço criativo a favor da simulação, ao invés de apenas consumir a energia oriunda dela.
O filme reforça o subtexto sobre assumir a real identidade de maneira ainda mais certeira, com todo o roteiro sendo menos sutil que na trilogia original. Isso poderia ser encarado como algo ruim, mas já que boa parte do público julgou mal alguns dos conceitos de Matrix Reloaded e Revolutions, é bom que esteja aqui para não haver dúvidas.
A solução final de Matrix Ressurrections é apressada, e parece ser uma sina em tudo que envolve a série pós-1999, mas as atuações, atmosfera cyberpunk e as cenas de ação lembram os momentos áureos do cinema das Wachowsky, e trazem um bom fôlego ao filme.