O movimento Dogma 95 é conhecido por mim, mas não contemplado com um olhar mais atento do que aquele dividido entre crítico e apaixonado por cinema. Após assistir esta produção, observei que o diretor era Thomas Vinterberg, um dos criadores do movimento. Desde já, peço que relevem qualquer omissão que faça em relação às regras primordiais do movimento.
Com direção de Vintenberg e estrelado por Mads Mikkelsen – vencedor do prêmio de Melhor Ator em Cannes e hoje conhecido por interpretar o psiquiatra Hannibal Lecter – A Caça é uma produção excelente que funciona, além de sua história em si, como uma análise e um estudo do comportamento coletivo e das fabulações de uma mentira.
Mikkelsen é um professor de uma creche em uma pequena cidade em que todos se conhecem e luta para sobreviver a um complicado divórcio que lhe tirou a guarda do filho. Em um desses arroubos infantis, uma de suas alunas projeta uma pequena paixão no professor e, ao ser reeprendida por ele ao tentar beijá-lo, desenvolve a mentira de que o professor teria lhe mostrado as partes íntimas.
A trama escolhe nos apresentar a história de maneira natural e coerente, sem nenhum apelo e nem escolha de lados. Parte de um gesto simbólico de uma pequena garota para uma mentira que conquista maiores dimensões e destrói a vida do professor.
Mesmo que ao professor tenha sido confiada a educação dos filhos, a cordialidade e a amizade que a comunidade tem por ele são destruídas pela potência do rumor que promove uma histeria no coletivo, que começa a vê-lo como um monstro.
O tema que serve como base da história é um dos mais polêmicos da atualidade, presente em notícias diárias de adultos que abusaram sexualmente de infantes. Se o assunto por si só tem uma pesada carga, a trama demonstra que até mesmo uma acusação neste teor é o suficiente para produzir uma raiva coletiva e desestabilizar o acusado. É inegável que trata-se de um crime hediondo; contudo, é interessante ressaltar que, em casos como este, a necessidade pública de fazer justiça ultrapassa a punição de uma lei e produz uma massa que deseja, literalmente, liquidar o acusador.
A personagem julgada pela própria sociedade, sem oportunidade real de defesa, perde sua base. Aos poucos, vemos um homem equilibrado que tentava seguir sua vida após um divórcio ser destruído por uma opinião histérica pública. A composição de Mikkelsen para o papel demonstra que é um ator de grande intensidade vista em pequenas expressões. Sua dor é interna, minimalista nos gestos, se acumula em um crescendo que explode em uma das melhores cenas do longa, realizada em contraste tanto pelo espaço cênico, que demonstra o sagrado e o blasfemo, como é o auge da libertação emotiva.
Em outro aspecto, há a mentira criada pela criança, motivo que desequilibra toda a vida do professor. Adentrando um pouco o escopo da psicologia, há estudos que afirmam que seres humanos são capazes de mentir desde a infância. O filme demonstra como uma mentira branca, uma pequena criatividade na hora de expor os fatos, pode ser fatal na vida dos ofendidos.
A naturalidade da narrativa, que nunca transforma o tema em polêmica como normalmente é visto, e a boa credibilidade de suas personagens fazem de A Caça um reflexo e uma análise incrível sobre a força da mentira e o julgamento de um coletivo, nunca desequilibrando sua trama bem composta e sem nenhuma crítica prévia.
Ao expor um acusado frente uma multidão que não acredita nele e o repreende, observamos uma angustiante sensação de que a verdade nem sempre é prerrogativa que a massa deseja ouvir. E a angústia da personagem permanece no espectador, que reconhece que há certas dúvidas que jamais se dissipam, mesmo na clareza dos fatos. É devastador.
Esse filme faz parte desse tal “Dogma 95”?
Eu assisti essa semana e não me atentei pra isso, visto que não conheço esse tal movimento.
bom isso resume bem, e foi o que mais me chamou atenção no filme: “A trama escolhe nos apresentar a história de maneira natural e coerente, sem nenhum apelo e nem escolha de lados.”
Recentemente eu vi um documentário sobre a obra do Nicolas Winding Refn, achei interessante que o MADS ele diz que esse movimento nasceu no primeiro Pusher, pelo menos no que se diz respeito as carateristas, no entanto os realizadores do Dogma 95 jamais irmão admitir isso, nas palavras do MADS.
Não faz! O Dogma 95 foi criado pelo Vinterberg e o Lars Von Trier,mas os únicos filmes que realmente foram feitos dentro das regras do manifesto são Festa de Família (do Vinterberg) e Os Idiotas (do Von Trier), depois os dois abandonaram as regras e disseram que o objetivo não era criar um conjunto de regras, mas provocar uma análise do que é realmente essencial no cinema.
Ou seja, os dois queriam se autopromover, coisa que principalmente o Lars, sabe fazer muito bem.
Poxa, que bom. Eu tava com medo de acabar omitindo algo que talvez eu não soubesse já que o Vinterberg veio do Dogma 95. Alias, esses dois filmes que você citou são bons?
São ótimos! (Festa de Família é melhor que Os Idiotas até)