Eduardo Coutinho é o grande documentarista brasileiro. Responsável por filmes como Peões, Edifício Master, Santo Forte e Jogo de Cena, Coutinho se tornou um nome central no cinema mundial ao investigar em seus filmes o olhar do diretor no documentário. Seu cinema é complexo, os últimos filmes repletos de teorização que alguém menos talentoso teria colocado em livro, mas Coutinho reflete sobre seu próprio cinema enquanto o realiza, criando uma obra única.
O diretor é conhecidamente rabugento e arredio a entrevistas, mas a Flip acertou ao coloca-lo para conversar com Eduardo Escorel, amigo de longa data e montador de Cabra Marcado Para Morrer (além de Terra em Transe, São Bernardo e O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro). Cabra é um dos filmes lendários do cinema brasileiro (nossa história tem alguns, filmes perdidos ou não terminados e que ainda assim influenciam profundamente a produção nacional): deveria ser uma ficção sobre movimentos de resistência camponesa na década de 60, mas teve suas filmagens interrompidas pelo governo militar; em 1984, Coutinho retornou aos lugarejos da Paraíba onde havia começado a filmar e fez um documentário sobre o filme que não foi.
Mas Coutinho não é um mal-humorado, é, isso sim, um rabugento divertido. Durante 1:15 o cineasta foi escrachado e engraçado, contou sobre seu processo criativo, soltou pérolas de sabedoria ranzinza e pareceu se tornar um de seus personagens: um misto ambíguo de honestidade e atuação. Coutinho falou sobre isso, a diferença entre ter uma boa história e contar uma boa história e a todo momento chamou seus entrevistados de personagens e reforçou “é isso que eles são”. Eduardo Coutinho conta narrativas cuja matéria prima é a ficção.
Foram exibidos dois trechos de filmes seus: a entrevista final de Peões, filme sobre os metalúrgicos da região do ABC Paulista, e um momento de Cabra Marcado Para Morrer. Depois de ambos, Coutinho contou sobre a filmagem dos longas e refletiu sobre suas próprias escolhas com clareza impressionante, talvez ele seja a pessoa mais consciente do processo cinematográfico que eu já ouvi falar (e já vi palestras de ícones como Abbas Kiarostami e Wim Wenders).
Aos 80 anos, o diretor esbanjou energia, consciência, citações a Walter Benjamin e Marcel Mauss, Coutinho é um erudito e um teórico, mas tem a maravilhosa capacidade de condensar sua teoria em concretude. Na mesa do autógrafo, elogiei efusivamente Jogo de Cena e ele me respondeu com um entusiasmo genuíno e um sorriso afetuoso, assinou meu livro e escreveu “sem jogo de cena”, mas avisou “você sabe que isso não existe”.
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Texto de autoria de Isadora Sinay.