Mais do que o costumeiro roteiro louco do escocês Grant Morrison, WE3 é um desbunde em se tratando da arte de Frank Quitely. Toda a narrativa visual eleva a revista ao ponto de torná-la absolutamente indispensável para o leitor assíduo de quadrinhos.
A violência, os corpos dilacerados, a crueldade humana e o desprezo pela vida alheia são bem flagrados por seu lápis, cujas sequências quadro a quadro mostram toda a genialidade do desenhista. O primeiro balão de diálogo só ocorre na décima quarta página, o que por si só já demonstra que o enfoque é na arte.
A sequência inicial tem o intuito de preparar o público para a loucura que vem a seguir: uma equipe de ciborgues, comandadas por animais domésticos que seriam utilizados como armas biológicas contra os inimigos americanos. Mas algo dá terrivelmente errado e os animais fogem de suas celas e passam a habitar o mundo civil – o que por si só é um grande imbróglio, visto que seu poderio bélico é enorme. As cenas dos coelhos silvestres sendo metralhados, além de boas, não são complacentes com o leitor. O contra-ataque dos bichinhos é igualmente violento e demonstra que, mesmo sendo seres irracionais, conseguiriam lutar de igual pra igual com os humanos, os quais os “controlariam” em circunstâncias normais. Há até uma discussão sobre o complexo de criador que acomete o homem, mostrando o catastrofismo causado por ele, sendo a volta ao tema bastante válida.
A luta das três cobaias contra o exército de ratos é violentíssima. No quadro seguinte, é mostrado um homem se acidentando na ponte onde ocorre o embate, com o humano “salvo” por uma das três criaturas robóticas, claramente demonstrando que elas não são odiosas por natureza e têm misericórdia dos seres que estão em posições desvantajosas, e até capacidade sentimental para se arrependerem.
O cão se culpa por, num momento em que estava sob ataque hostil, ter respondido com igual violência ao seu agressor, tirando a vida de um outro canino e atacando um humano confuso: “Cão Mau”, é o que repete para si, em penitência por seu ato ruim. Ao contrário do que uma das doutoras afirma, seu raciocínio não é tão amoral quanto previsto. A única ajuda humana que os animaizinhos receberam foi de um morador de rua, talvez a última pessoa a quem um “cidadão respeitável” recorreria, um dos poucos que não se corrompem.
A motivo da história de Morrison primar mais pelo visual em detrimento do diálogo deve-se principalmente à tentativa de mergulhar no que seria a mente dos bichos modificados geneticamente; dentro do “raciocínio” destes, tudo é mais visceral, selvagem e violento. A sobrevivência passa pelo predatismo e menos pela civilizada discussão de valores, ainda que haja um enorme contraste, pois são as irracionais e selvagens criaturas que demonstram um maior sentimento de misericórdia pelos mais fracos, enquanto o homem, inteligente e munido de faculdades mentais mais avançadas, se preocupa em subjugar tudo e todos. O Gato, sem muito poder de gentileza ou predicados, consegue resumir bem como os humanos são enxergados por ele, considerando-os “criaturas fedorentas”, que exalam um odor terrível toda vez que apontam armas para eles. O final é politicamente correto e simples, mas condiz com a ideia que os pets tinham a respeito do mundo dos homens. No apagar das luzes, cumpriram seus papeis e tiveram, enfim, suas recompensas, enquanto o cientista responsável pelo experimento teve também a parte da justiça que lhe cabia – tudo funciona dentro do Ethos construído por Morrison e Quitely.
Baixando
Parabéns pela resenha. E recomendo a quem puder, que leia/adquira a “Edição Definitiva” é interessante conhecer como foi o processo criativo do Morisson, os racunhos do Quitely, as observações da editora da Vertigo Karen Berger. Vale muito a aquisição da “Edição Definitiva” pelo material extra.