Oscilando entre a genialidade científica e ataques de ira compreensíveis e razoáveis, já que são inerentes a sua natureza, o herói do encadernado da Panini ganha vida nas primeiras histórias de Len Wein, apresentando o que seria, talvez, sua maior contribuição para os quadrinhos. Em O Monstro do Pântano (Swamp Thing), o autor apresenta seu alter-ego, o cientista Alec Holland, que após uma fatalidade torna-se um avatar da natureza, trazendo à baila uma discussão interessante, que leva em conta os desmandos e exageros presentes na maioria das ações humanas em relação ao planeta em que vive.
Na introdução feita por Wein, o autor começa falando que não sabia estar criando uma lenda. Notar a perplexidade do escritor é algo evidente, até pela ordem dos fatos que seguiram aquele dezembro de 1970. A ideia original foi aceita por parte daqueles que cercavam Wein, ainda que a sua premissa não fosse completamente entendida por eles. Uma vez aprovada, a história foi publicada em House of Secrets número 92, iniciando-se com a narração de seu protagonista, que ainda tentava entender o que tinha acontecido. O modo como a “criatura” faz seu recordatório varia entre o presente e o passado inócuo, fazendo uma confusão quanto à temporalidade do período enquadrado. Somente quando o monstro atravessa a janela para salvar sua amada, pode-se compreender o que era alucinação ou realidade dentro dessa primeira trama. Sua aparência abominável o faz sentir-se indigno perante os olhos da mulher que ele um dia ele chamou de sua. O pântano era o único lugar que o aceitaria naquela configuração, mas isso não era conforto suficiente para seu coração choroso.
No primeiro número de Swamp Thing, é contada a história do cientista Alec Holland, que habita o seu laboratório, fazendo seus experimentos sob os olhares dos seus inimigos. A armadilha que captura Holland é mostrada de forma muito violenta, especialmente em comparação com os outros pares de revistas e gibis infantis. A tragédia e o pântano, lugar onde não há qualquer possibilidade de esperança, tornam-se uma nova chance de vida, uma alternativa perturbadora, mas libertária. O protagonista assume, então, sua nova vida de criatura grotesca, denominada Monstro do Pântano. Seus vilões são figuras tacanhas, caricatas, feios como o diabo, bandidos clássicos que se mostram seres maniqueístas,
O trabalho de arte de Bernie Wrightson aumenta a bizarrice presente na história, retratando figuras inumanas, que se tornam ainda mais assustadores pela contraditória verossimilhança que há em seus contornos. A situação é ainda mais piorada com as cores da edição feita pela Panini, que aumentam o caráter bizarro da obra. A criatura em que Holland se tornou tem sua trajetória carregada de símbolos que remetem ao messianismo. Mesmo rejeitado em um primeiro momento, a sua mente elevada é vista pelas criaturas fisicamente prejudicas como possibilidade de ter qualquer sinal de ascensão.
Logo se descobre que toda a fisiologia do Monstro é vegetal, até seu modo de respirar é dependente de dióxido de carbono. Arcane propõe, então, a Alec que ele compartilhe seu fardo, o que devolveria sua configuração humana. Mas como os heróis altruístas da DC Comics, ele abre mão disso para deter o vilão e impedir que ele ficasse mais poderoso ainda. Ver a si mesmo como um homem-monstro é penoso, mas é um fardo que Holland se vê obrigado a carregar, mesmo com todo o desgosto.
O ideário visual remete demais aos filmes de monstro da Universal, como A Noiva de Frankenstein, seja na figura deformada de Arcane ou na de sua filha, Abigail Arcane, que mais tarde, ganharia ainda mais importância. Semelhante às películas dos anos 30 e 40, Monstro do Pântano retoma a caça às criaturas. Por mais que não haja todo o subtexto que marcou a fase do mago Alan Moore à frente do título, há uma chancela de história em clima clássico, aumentada demais pela belíssima arte, sem dúvida, o maior destaque.
As referências ao cinema seguem, mencionando graficamente até os filmes barrocos da Hammer, protagonizados por Christopher Lee e/ou Peter Cushing. Os vilões deixam de ser somente homens gananciosos, para exibir também figuras transmorfas. A capacidade de Wrightson em transformar figuras grotescas em seres absurdamente assustadores é impressionante. Próximo ao fim da publicação, no penúltimo número do compilado, a temática de aparência versus essência é novamente resgatada, mostrando a maldade analisada de modo não normativo, já que o preconceito não é partilhado pelos infantes.
A trágica trajetória do Monstro o impede de viver qualquer sensação que não seja negativa. Mesmo superando a impossibilidade física de se relacionar fisicamente com humanos, ele assiste à destruição de seu par, incólume ante a terrível constatação de que a solidão habitaria os seus dias. Extravasar sua fúria é algo que naturalmente o impele a agir. Raízes Volume 1 termina no número 6 de Monstro do Pântano, com um gancho para a próxima edição, que ainda não foi lançada no Brasil por motivos ainda não esclarecidos. É notório que muito da qualidade de roteirista de Len Wein se perdeu, tomando por base seu episódio Ozymandias de Antes de Watchmen. Seu ofício como editor tornou-se muito mais digno de nota do que seus guiões, mas certamente, nesse exemplar, ele ainda estava em forma. O criador do Wolverine ainda teria na parceria com Bernie Wrightson um casamento perfeito, apresentando uma figura visualmente assustadora e empática ao extremo, cuja jornada é tragicômica e singular.