O poder da música, como nenhum musical americano não mostrava desde… Muito tempo. A música cura, liberta, ela expande, ela cobra preços, devoção, custa sua liberdade, suas amizades, na vontade de vencer na vida com o talento que existe em si. Porque o poder da música não vem do glamour das apresentações do MTV Movie Awards, e o veterano Clint Eastwood, cobrindo aqui três décadas do cenário radiofônico da América, volta ao pré-MTV e conscientiza o fato que ainda se encontrava puro e confiante nos tempos de Inside Llewyn Davis, dos irmãos Coen, para as novas plateias, para a geração 2000 que prefere assistir a videoclipes no Youtube a ver um musical de primeiríssima linha, à moda antiga, com duas horas sobre a história e o ar que entra nos pulmões de quem respira, e vive, cada acorde e cada nota, no grande shopping center chamado América.
É notório como a escolha perfeita de cada ator representa a alma do filme, como ela é precisa para garantir a nossa identificação com o exibido e o ouvido, nosso sorriso ao ver Christopher Walken, o sério e discreto Rei de Nova York, de Abel Ferrara, dançando What a Night, clássico pop dos Four Seasons. É através do exercício de acompanhar os caminhos da banda dos anos 50 aos 70 que o filme se apropria do espírito Beatles de outrora para investigar, uma vez mais, o que faz da América a América. O Eastwood de Menina de Ouro (o cineasta que no fundo se pergunta se vale a pena amar seu país), retoma o gingado de Bird e seus documentários sobre jazz e blues sendo tradicional, sem jamais ser conservador. Jersey Boys nos faz refletir, no inconsciente, através dos conflitos e fases do Four Seasons, grupo talentoso mas inconstante e frágil, o que essa América, tanto a de ontem quanto a de hoje, enxerga no espelho depois do banho: O Superman, ou um soldado forte por fora e fraco por dentro esperando um super-herói pra lhe salvar.
“Volta quando for preto!”
Quando a câmera sobe, por fora de um prédio de largas janelas abertas, e andar por andar vai revelando a diversidade e a variedade de ritmos cantados, em cada piso de uma gravadora cheia de talentos, negros, gays e fechaduras (e aonde a clássica frase acima é dita por um produtor, antes de bater a porta na cara da banda), o fantástico Jersey Boys justifica seus elogios e se confirma como uma adaptação primorosa da Broadway, lendária casa teatral, com essa e outras inúmeras cenas inesquecíveis, talvez até com um potencial a mais no Cinema, como a crise (e a tensão) enfrentada pelos entusiastas musicais na sala de um mafioso para debater uma dívida da banda. São tantas emoções ao longo do filme que um soneto não daria conta do recado, ainda que a sensação, muito bem pensada, é que os Goodfellas de Scorsese entraram de vez na aura de um musical, e o perigoso Henry Hill, de Ray Liotta, trocou as armas pelo microfone e virou o Frankie Valli, cantor inocente e cheio das melhores intenções, ainda entre gangsteres, mas preferindo depender dos palcos.
Como se não bastasse os passos de Walken e a ambiguidade da obra, Eastwood resgata o espírito descompromissado e puro de musicais como West Side Story e Grease, e nos faz voltar no tempo, numa era perfeitamente bem recomposta além da tela, nos energizando com o espírito de uma época ainda recorrente nas entrelinhas do que move a produção cultural do Ocidente – e de boa parte do mundo. Jersey Boys carrega mensagens universais, ainda que nos mesmos ombros seja um belo, carismático e tragicômico retrato da sociedade de um país, tudo junto e misturado, no auge e na plenitude serena da carreira de um cineasta, livre da preocupação de produzir filmes grandes e antológicos (e talvez, por isso, produzindo.). E tem o sério Walken soltando a franga no meio da rua de terno e gravata, já avisei isso? Vale cada minuto. E que se dane a quarta parede, aqui.
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